segunda-feira, dezembro 17, 2007

Disse, disso

- Foi bem no dia em que eu olhei pra ele e disse: você é patético.
- Disse assim, na cara?
- Disse nada. Pensei. Você acha lá que homem entende disso?
- Hm. Mas e depois?
- E depois teve a vez dele.
- Vez de quê?
- De me achar patética.
- E ele te disse na cara?
- Disse nada. Pensou. Você acha lá que mulher entende disso?

domingo, novembro 25, 2007

Eu gostaria muito, mas a minha monografia não deixa...

quinta-feira, outubro 18, 2007

O fino verso da gorda

O meu choro é cascata de uvas
Mas num tem gosto de vinagre
Apesar de arder
É que eu tenho a comida
E a comida me tem
Porque eu não tenho você

quarta-feira, outubro 10, 2007

Aperto Gradativo

Ele sabia muito bem como encrustrar lentamente qualquer faca em mim. Lentamente, eu disse. Implorei minhas forças para que não, porém, sequer me deu ouvidos e foi logo intrometendo a ponta aguda por entre os meus seios. A superficialidade do corte não disponibilizava entender o início de tudo. Mas estava habituado a culpar nossas brigas. Eram elas o réu dos nossos problemas. Ele, a vítima. Eu, a insensata, a que abraçava causas vazias, a que as fazia aquecidas. Eu, que somente quis atenção. E o corte aprofundou-se quando já não estávamos mais tão próximos. Era como contar história alheia sem saber ao certo como expressar a situação. Tentar adivinhar sentimento e lidar com os sumiços esporádicos que ele ocasionava.
Foi quando resolvi que não nos entendíamos. Eu, reclamando ausência, ele reclamando trabalho. Eu, falando alvoroço e ele, falando traição. O desenfreado impedia o motor dar sua partida. E todas as condições tardavam em contribuir para encrustrar mais fundo agora a tenra faca. Pois assumi, enfim, auxiliar o suicídio-homicídio. Fiz com que o prazer fosse nosso. Como já não dividíamos respiro, que dividíssemos ao menos o gozo da minha ida. Que fizéssemos uma última vez a promessa dos que nunca se vão. Porque eu nunca soube ao certo como seria. Porque eu nunca soube como as coisas seriam se não tivesse optado por realizá-las.
19/abril/2005

terça-feira, outubro 02, 2007

A lata, minha metafísica

De um tamanho desproporcional, dizia o cabeçalho. Eu não acho, no entanto, que tudo tenha tomado este rumo. Tive que ler a carta com um copo de água do lado porque a garganta amargava. Talvez as especulações sejam ditas certas, que eu não enxergue o que deva ser retocado. Na horizontal, não podia. Não podia meio-dia, não podia lajota, reverenciar o sovaco, circundar o inanimado.
E eu queria monologar a minha lata, sobre a tristeza de tê-la aqui comigo. Me jogar no sofá, espreguiçar. E contar, quero contar. Olha, eu procuro profundo. Assim, de tocar os dedos no fundo desta lata. Aí vem o cheiro de eucalipto e é como a história que não acabei de narrar. Eu não tenho nada de eucalipto, nada de desproporcional. Então devo passar a lata pra frente. Devo passar também quem me diz essas barbaridades. Então reembrulho a carta e a devolvo na caixa de correio, ando de passos contrários, rebobino meu dia.
E fim, e nem queria. Nem vou descrever mais como foi tudo isso. Volto pra cama, o cobertor em meia-volta. Estou de meias esgarceadas, quase se desnudando dos meus calcanhares. Eles ficam secos. Aí lambo os dedos e passo neles. E cheira cuspe, cheira meu cheiro. Não gosto do meu cheiro, então vou comprar um hidratante. Desses que desodorizam a vida. Tiram tudo, é bem livrar-se de uma infecção. Essas coisas da modernidade, que todo mundo limpa com algodão, são mesmo uma maravilha. Não tem que entrar em quase nada, descarta tudo, faz digestão. Aí as palavras vêm pra gente, não fazem o menor significado. Tá tudo procurado em dicionário, e eu com vergonha de mandar um beijo. Mandar um beijo é mesmo muito brega. É como acenar e não receber de volta. E quando viu, mandou pra pessoa equivocada, que olha pra trás pra ver se era pra outrem.
Outrem. Ninguém deveria usar esse termo. É feio. É tão feio como dizer te mando um beijo. E o beijo não volta, eu olho pra minha cama e as meias se foram. Não vou procurá-las. O meu corpo recebe as funções ativas de sempre mas eu decido que é aqui mesmo. Não quero me obedecer hoje. A lata me frustrou, estou no mijo desse cobertor e não tem ninguém pra pagar a conta que chegou. E vou, vou. Vou inventar sobre o que não mais sou.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Pequeno Estudo sobre o Romance Entre Atores

-Diz aí.
-Num digo.
-Isso é chantagem.
-É chantagem. Vai e conta pra todo mundo que é chantagem. Não me importo.
-Mas eu preciso saber.
-Precisa por quê?
-Por que é sobre mim. Andam falando de mim.
-Num é novidade.
-Pára, então. Tá muito ruim esse texto.
-É, eu também acho. Vamos começar outro.
-Como que começa?
-Pode ser com outro tipo de briga, uma coisa mais de bar.
-Tá. É de noite. Eu sou um batedor de carteira e você pode ser uma moça no ponto de ônibus.
-Num quero. Quero ser um bêbado no bar.
-Mas você é mulher.
-No texto eu sou homem, me sinto homem.
-Num parece.
-Tá. Então bar, esquece. Vamos fazer algo sem sexos.
-Beijo nem pensar!
-No final a gente revela, sei lá.
-As pessoas vão me achar viado.
-Eu já acho, então não faz mal.
-Chata.
-Podia ser numa biblioteca. A gente brigaria por um livro.
-Depende do livro eu brigo fácil.
-Tipo qual?
-Tipo Sartre. Tipo Camus.
-Não, não. Sartre, não. Ele já fez as brigas dele.
-Brigaria por quem?
-Eu disputaria Platão. Pra ver quem pegava primeiro.
-Pode puxar cabelo?
-Opa, puxar cabelo combina com Platão.
-Pode arrastar você pela blusa?
-Pode, pode. Acho excelente.
-Pode te unhar?
-Claro.
-Pode morder sua coxa?
-Caralho. E eu só apanho?
-Não...Imagina. Fala aí como você quer me bater.
-Hm. Posso te arranhar?
-Pode, sim.
-Posso te dar tapa na cara?
-Por favor!
-Posso também...?
-Pode, vai logo, qualquer coisa. Vou rasgar sua roupa, pode?
-Como assim?
-Como assim! Tô rasgando, pode?
-Mas vai sair do script...
-Que script? Deita aí que vou te dar uns tapas.
-Pára. Eu queria ser homem nessa história.
-Já disse que não sou viado. Vai logo, arranha minha cara.
-Você tá me assustando.
-Tô nada. Vamos logo. Me dá um.
-Num quero.
-Ah, é? Num quer mesmo?
-Mesmo.
-Então eu não vou te contar.
-Contar o quê?
-Aquilo do começo do texto.

Broncopneumonia

Eu vim correndo pra esse mundo. Corri dela, eu ainda corro dela. Tampa e destampa minha ferida sempre que pode. E agora corro do mundo, corro de tudo. Vivo com pressa. Queria parar de me ser por alguns segundos. Ser você, você que eu nunca vou saber o que é. Ou então ficar presa num cativeiro por dias, sem água. Emagrecer oito quilos. Sair de lá, pegar todo mundo pelo braço e sussurrar seus escrotos. Gritava vocês não sabem o que é isso. Eu cheguei no limite da minha dor, seus escrotos. Vocês acham que é uma grande piada mas não sabem de nada, seus escrotos, seus pernas, bando de cornos. Porque eu sou a chaleira, eu sou o ferro, eu sou o que queima, eu sou o inferno. Vocês riem, se desenrolam na minha cara, mas eu sim, eu sou uma ilha.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Amanheço

Quando já cedo, pensava sozinha de si a aurora fosse mesmo a enganadora dos dias. Amanhecia menina, dormia resina. Passava cruzando retalhos, com letras grandes espalhava vogais. As miúdas restavam para as que não são lembradas jamais. E em seguida a mão nas roupas, caídas entre meias e camisas, todas brancas, todas secas, resmungava melodias.
À tarde café na mesa, não havia quem viesse para os biscoitos. Estavam alí para impressionar. Muito obrigada, obrigada. Aplaudíam-na os fantasmas de cortinas a ventar. Dispersava alguns farelos, cortava o pão e dançava a toalha no ar. Via pássaros descer fio reto e os movia a voar.
Queria então, caísse a noite, caíssem os olhos, mas somente o ritual pra fazer adormecer: algumas luzes no corredor, alguns cômodos para escurecer. Pingava os dedos nos interruptores, espiando o telefone na sala de estar. Alcançava o último quarto, suspirava pra ir deitar.
Os pés finalmente, esfriavam-se dos chinelos. Estendia os lençóis de folhas para monopolizar seus curtos pêlos. Vedava as pálpebras, tocava a púbis no nevoeiro. Acalentava os ossos mansos, os corpos do seu corpo unindo-se em desejo. Segundos de eternidade desconfiavam seu silêncio. Era apenas um momento.
E no cume da majestosa letargia, acrescentava-se luz ao cinza. Via passos, via Borges, era o gato. Via o corredor por debaixo. Crescia em espasmos, espantava o quente bafo. Encolhia dentro do peito o mais unânime segredo: via a aurora do seu medo completar o seu enredo.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Dissidências foram aquelas. As portas se abriam, falo abriam-se então. Não havia escuta, não se entendiam, não queriam. E depois vieram a matar o pé de cidreira, achar que resolveria, um chá, uma moita, uma nova forma de vigília.

terça-feira, agosto 21, 2007

Incesto Sozinho

As coisas se acrescentam e nós não acrescentamos nada. Disse-me que nem sabe o que é isto. Que gostaria assim, de se rasgar toda. De ser deixada, de ser traída e de se ver doer. Pedi-lhe para que me contasse os seus dedos. Dos pés? De segredos. Mas não tenho dedos-segredos. Ora, todos nós temos. Como aquele de quando você chutou a preta e a pegou de volta? Isto. Peguei-a de volta porque amava. Nada, pegou porque ela não tinha para onde ir e você também não tinha para onde levá-la. Mas não é o que nos aproxima, nós seres, tão irrevolentes sem casa buscando teto alheio? Não existe a palavra irrevolentes. Claro que existe, acabei de dizê-la. Existe para você, então. Isto. Existe para mim, então.
Deita aqui um pouco. Não, tô brava. Não gosto quando inventa palavras. Tá. Vamos falar do Universo, ele existe para você? Existe para todo mundo. Mas ele existe para você como existe para mim, com toda luz que não tem luz, de traços cinzas e fios pratas? Pra mim ele é pó, a gente sopra e ele se desfaz, é caleidoscópio. Nunca tinha pensado, mas é. Vira a página, vira. Calma, gostei desta figura, ela parece com a tia Mara. O cabelo, né? O cabelo dela, enroscava enquanto dormia, dava pra tecer o incerto.
Desde sempre achei que os mesmos não podiam se gostar. E ninguém poderia saber. Ninguém vai, não se preocupe. Não vamos ter filhos, você sabe. Eu nunca quis. Também não. Fecha o livro, vem aqui, me cansa o Universo. O que mais? O quê? O que vai nos acontecer? Depende, agora que começou, eu não sei quem vai parar primeiro. Mas não queria ver? Não disse que queria se rasgar? Estou aqui pra isso. Eu tenho medo. Não tenha. Ou tenha, também. Vamos ter juntos. Você promete? Prometo. Então deita aqui. Num vai mais inventar palavras? Não, não vou. Vou inventar você, pra mim.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Contei uma, contei duas. Poderia até contar três, mas não vem ao caso. Isto é tudo uma outra história.

sábado, julho 28, 2007

Meu amigo sem nome

Eu tinha esse amigo gay na adolescência. Eu queria muito colocar o nome dele aqui, mas não posso. E também não quero inventar um porque não acho justo. Claro que ele não vai ler nada disso, você também nem deve estar prestando muita atenção, mas a verdade é que devemos fazer jus aos nomes das pessoas. E os gays, sabe, eles são muito exigentes com algumas coisas e implicam e é chato.
Comecei pra falar como ele me contou que era gay. Matávamos aula, e eu chafurdava a cara no bebedouro, quando ele arriscou baixo no meu ouvido "eu ssssou gaaay". Cuspi, babei-me inteira, ergui o pescoço com medo de erguer, me deu tontura, mas firmemente e enganando muito mal, respondi "eu já sabia mesmo!". Ora, essa coisa de todo mundo sabia. Todo mundo sabia e não sabia.
O pai dele, por exemplo. Pai de gay nunca existe. Este sim é alguém para quem deveria ser inventado um nome. Ou quando existe, está sentado na poltrona da sala, vestido da camisola da mãe, tomando chá de frutas vermelhas.
Ele decidiu na época espalhar pro mundo todo que era gay. Eu não concordava, mas sabia que era uma questão de tempo pra ele perceber a merda que estava fazendo. E foi notificar a descoberta pra sua mamãe, uma gorda branca professora de matemática de cabelo sem cor. A mulher chorava de parir, achou revista de homem pelado embaixo da cama do moleque, uma loucura! E fez o interrogatório completinho. O coitado, o coitado era virgem. Não tinha ainda nem beijado espelho pra praticar. Mas, no entanto, é preciso muito pouco para sermos sujos diante dos outros.
Eu nunca presenciei a cena, mas ele me disse que a mãe ajoelhou-se na sua frente e perguntava se aquilo era castigo, se ele não a amava e então por isso. Colocou-o em terapia vagabunda, rezou em todas as religiões, fez com que escondesse de si mesmo o que era. Trivial.
E depois nunca mais nos vimos. E eu queria ter ensaiado mais e ter ido até a casa da mãe dele, ter-lhe dado uns tapas na cara e reclamado desse desfecho absurdo. Porque eu sempre achei que ainda era melhor ter pais ausentes simplesmente porque eles não suportam te ver do que tê-los ao seu lado te fazendo pagar.

quarta-feira, julho 25, 2007

Assim
Assado
Clichê mal-passado

sábado, julho 21, 2007

O último fósforo
A última árvore
O último gole
Sem piedade

quarta-feira, julho 18, 2007

Enquanto dormem

Quisera eu ter tido pais adequados. E a sua mãe, não vem? Vem. Cantávamos todos, Antiqueira e eu. E Londres, continua? Continua. Viagem para o final do ano. Então vamos nós, aqueles que estivemos lá. Vamos. Mas ela morre de ciúmes. Que vá também. E o dinheiro? O dinheiro já nos faz lá. Aniversário agora em agosto, não é possível decepcionar. Não o faremos. Tá bêbada? Não, dancei apenas uma música. Vamos embora, assim ninguém percebe. Ninguém me notou, faz diferença?? Não, você disfarça, eu a arrasto. Toca aqui todas as quartas ou às sextas? Questão de disponibilidade. E a sua filha me deve. Ou eu lhe devo, total responsabilidade.
Ela fala com muita gente. E combina com muita gente. Nunca funciona, tá sempre pairando. Tá sempre contando o que vai fazer e depois nunca faz. Ah, é assim? É assim, ó.
Beijei um troço, não queria. Ele veio pra mim e disse: prima!! Me senti avechada. Avechada é nome pra interior. Pra quem não sabe o que fazer no depois.
Arrasta qualquer tom pra arrastar o seu embora, somos de família musical, isso não importa.Tá. Peguei alguns telefones, pequei um pouco à beça. À beça? Fantasiei. Nada aconteceu, se não fosse o você e eu. E clamavam altamente, clamavam: isso ainda vai dar em casamento. Não!! Eu vou rir, é ainda o melhor remédio. Já viu aquele filme? As pessoas sofrem, se desarrajam, se despedaçam e se retornam. Num vi. Pois é. É você vivinha. Num sou. É. Tiram um pedaço da cara dela, mas todos a reconhecem. Porque é muito simples, ela tá estampada. Tá com essa cara de queria ser amada. Eu num faço assim. Faz, sim. E diz depois que não queria, que era coisa da sua tia, que emagrecia.
E agora que todos morrem, vou te dizer o que é mais disforme. Num rima nem é de prosa, mas as meninas da noite sabem: só escreve de verdade aqueles que o fazem enquanto os outros dormem.

terça-feira, julho 17, 2007

Do ócio de quem escreve sobre o ócio

Vai sem Schubert então. Vai com chuva. Desce as escadas e as pessoas estão molhadas, o cachorro encharcado. Então quer se jogar como todos. Os carros, os pingos nos carros. Os papéis de acompanhantes e não acompanhar ninguém. E declarar o impossível em tão possível dia. E depois repetir que nunca foi assim, porque é sempre a primeira vez. E lutar contra o que não tem. E apagar o que não se fez. E resmungar estive lá, quando nunca. Depois dizem que a gente, a nossa gente, sofre mais.

domingo, julho 15, 2007

Calorias Vazias

Ter o pensamento leve de não jantar
Acordar sem mania de ter que suspeitar
Gigante é o buraco com pele de respirar
Com carolinas sem calorias
E respirar, e suportar

quarta-feira, julho 11, 2007

Gerundiando

Tenho que ser mais de acordo, dialogar sinapses mais lógicas, deixar esse vermelho pra trás. Deveria ser posta num desses cubos de escritório para aprender. Disseram-me que não pode pregar fotos nas paredes de plástico cimento. Porque suja e as pessoas comentam. É preciso ser direito, agir de acordo, agir de acordo. Anota.
Eu gostava muito mais da época em que era bonito ser ignorante. Olha que lindinho, ela não sabe falar pudico. Repete, vai. Não é púdico. Pu-di-co. Ó. Observa a minha boca.
Agora, senta aqui. Vamos conversar. Como é que você passou essa semana? Limite. Repete, vai. Não, não repito. Não faço, não tenho, não o sei.
O meu quarto. O meu quarto, eu vou te contar. Tem pimenta malagueta nele. Tem uma bola de cores amarelas. Eu a deixo no sol pra ver se estoura. E não estoura! Acho que tudo isso aqui ao meu redor não passa da minha cabeça. Três copos vazios de água, alguns extratos bancários no chão e muitas, muitas páginas abertas a terminar. Mas num dá, sabe? A gente cansa. Eu. Eu e você. Nós dois que moramos comigo. Sim, a gente. Isso.
E tenho aquelas horas longas que me deixam mais confusa. É quando eu imagino o outro mundo, aquele onde moram todas as pessoas que riem de mim. Mas eu tô mudando. Tô querendo. Tô anotando.

sexta-feira, julho 06, 2007

A minha vida seria

Garoou sobre mim e por isso tentei algumas palavras. Repetia: não, tudo bem, já passou, já passou. Disse que podia me contar. 1995. Depois o procurei novamente em 2004. Pediu para que eu fosse embora e eu queria apenas vê-lo mais uma vez em vida.
E o que se faz com alguém de olhos verdes de lágrima, solfejando sem parar? Todos nós três ouvíamos. A gritar, a gritar.

segunda-feira, julho 02, 2007

Onde eu existo

As festas acontecem apenas em outubro mas eu nunca soube o por quê. No meu país só temos festas neste mês. Dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, que temos que continuar a tradição, porque muitas outras já foram perdidas. E prosseguimos todos, sem muito questionar. Aliás, as pessoas são assim, né?
Ninguém comemora aniversário, aliás ninguém sabe o que é isto, somente eu. Porque eu viajei, visitei lugares e pessoas, me envolvi até demais, evitando envolver-me. Aqui também não há religião, não há opção sexual, família constituída ou casamento. Aqui, dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, aqui é o futuro. Eu não sei, não me senti atrasado quando vi outras coisas. Mas acho que faz sentido, toda essa falta de instituição. Não tem louco, nem normal. Não tem casa ou prédio, é tudo habitacional. Aqui as pessoas não têm idioma, aqui cada um fala o que quer, compreende como quiser. Aqui é tudo muito simples, mas as pessoas nem sabem o que é simplicidade. Aqui, dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, as pessoas não têm livros, têm idéias. Não há sistema monetário, nem leis de safado. Aqui não tem mentira nem tem verdade. Aqui, este aqui que eu nem sei se existe, aqui é onde eu me entendo, na minha plena liberdade.

sexta-feira, junho 29, 2007

Adormeço

Até que seria bom se caísse tudo. Ou que caísse tudo, já não sei. Assim ela não poderia incomodar mais tanto as pessoas, porque é tudo sobre ela, sempre ela, fazendo as coisas da maneira dela. Pensei então em me tornar escritor porque assim eu poderia desengaçar todas essas questões de dentro de mim. Sempre disse que tem duas coisas juntas que não combinavam: quando ela comia espinafre e usava o palito de dente. Mas acho que deve ter sido a única coisa que ela ouviu de mim. Aí não funcionou, porque ela continuava a comer espinafre e a usar palito de dente. Fica ridículo. A vacona com o dente musgo, sambando um pau na cavidade rosa. Procuro reforçar, porque é uma situação de necessidade e de necessidade não se foge. Eu preciso falar o quão indubitavelmente errado é isso. O tamanho incômodo que as relações chegam. Antes eu não ligava muito, sabe? Podia peidar, podia deixar a casa naquele estado, podia até reclamar das minhas roupas. Se bem que eu acho que tenho bom gosto para roupas. Não sei, talvez seja esse meu jeito muito único, muito focado no meu jeito. Agora não é tão assim, a gente trepa, pede pizza e sempre vem com um bando de azeitonas pretas que ficam no gosto do queijo. E eu não como, decido ir dormir, aí não consigo muito, porque ela quer dormir de janela aberta e o vento que bate nas minhas orelhas, não sei. Gela tudo, meu corpo gela, lembro de quando eu era pequeno. Lembro da Walkíria, que não me deixava tomar gelado. A Walkíria, sim, me escutava. Me ensinou até que o nome dela é estrangeiro: escreve com W. Me fez escrever umas sessenta vezes mas eu gostava. Era um nome muito bonito, nome de empregada. E todo mundo que aparecia em casa com uma cara mais-ou-menos suja eu achava que ou era empregada doméstica, ou porteiro ou lavador de pratos. Mas tinham vezes que eu achava que podia ser uma dessas pessoas que vêm pedir pra gente catar piolho na cabeça delas.
Vou parar porque não era isso o que eu queria contar. Eu me importo com assuntos maiores. Como quando eu me deito na cama, a janela está aberta, não posso nem comentar porque senão ela reclama. Aí as minhas orelhas estão geladas e decido olhar de ponta-cabeça pra todo aquele mundo preto lá fora. Porque são poucas as estrelas por aqui, viu? Quase nunca deste lado do prédio dá pra ver pontinho brilhante. Então eu olho pro preto, eu olho pro pêlo e penso em como tudo vai pro buraco negro.

quinta-feira, junho 28, 2007

Eram somente cinco

A mãe limpando superfície gordurosa
O avô se afogando na caneca
O menino pintando o gesso de verde
O anjo agora caído na escada
O cachorro lambendo a testa do pai
que nunca está lá
pra fazer parte da história

sexta-feira, junho 22, 2007

Conjunto Habitacional

o homem que habita em mim, ele bebe
bebe, fuma e catarra
a mulher que mora em mim também bebe
mas é imberbe
fica bêbada mais cedo
tropeça nele e dá risada

CAPS (Centro de Atendimento Psico-social)

Deitou o rosto sobre o bebedouro
E quando retornou a olhar em vertical
Avistou de longe dois pássaros
Dizia que um era Deus
e o outro, era eu

quinta-feira, junho 21, 2007

mini-ensaio sobre o nu

Agora já vai tarde
Todos sabem o teu segredo
Aquele que era mantido
Entre a porta e o espelho

segunda-feira, junho 18, 2007

Engraçado, eu não gosto de crianças. Elas falam com a gente, acordam a gente e aí não querem dormir. Elas questionam e se ressentem. E entendem tudo o que a gente fala. A gente, essas gentes. Com dor de dente. Com dor de tudo que o mundo arrasta. E aí essas gentes vão pro poço. As crianças não entendem. Mas vão também. E viram adolescentes.

Os meus dias (para Laura)

Hoje o dia acordou segunda-feira
Mas já não é tão segunda assim
Depois do que me aconteceu
Os dias são meus
Eles ficaram tão somente meus

terça-feira, junho 12, 2007

Eu clico em criar. Abre a tela. Tô criando, hein?! Comecei a criar, vai indo. Mas às vezes eu páro assim, páro de criar. Fico triste. Queria estar criando. Aí volta. Clico em editar. Edito o que criei, crio o que ainda não editei. Vai indo assim, até eu parar de criar. E ficar triste de novo e querer estar criando de novo e querer estar querendo de novo...

segunda-feira, junho 11, 2007

Esses meus lugares distantes

As minhas mãos tremem às vezes. Porque eu queria tanto ter sido tudo o que eu disse pras pessoas que eu era. Não que eu tivesse dito pra tantas. Eu contei pro Gandhi e pra ele, que são praticamente a mesma pessoa. E me amou de um jeito incompreensível. Meu Deus! Lânguida e odiosa quando ele acendia um cigarro no meio da madrugada, com aquela tosse rouca. O cinzeiro nunca vazio. Que raiva! Acordava e ficava me encarando com os dois redondos indo-asiáticos. Tinha vontade de gritar volta-a-dormir-deus-do-céu! Mas terminava a noite fingindo não notar o tal tragar. Principalmente porque aquele inverno trepidante me deixava muito alterada, sabe? Adorava ser capaz de não captar nada daquilo.
E ele chorou tanto quando eu fui embora... E eu chorei só pra acompanhar. Do tipo dueto, segunda voz que não aparece muito. Quando na verdade o único choro que eu sempre gostei vinha do sax. Desde nova, quando me mudei pra essa cidade falava: pô, tem aula de sax? Não. Mas tem de clarineta. Que lindo. Que similar. Que embocadura, que triste, que eu.
Agora está casado, com uma tal de Luísa, dessas musas de bossa nova. Eu vi numa foto, cor suor-polônia. Não gosto dos poloneses. Eles fedem picles. Adoram picles de tudo. Qualquer coisa verde, mergulhada num líquido de pote de maionese. Nunca entendi. Como ele me trocou por isso? Tá certo, não me trocou. Apenas seguiu. Viu as ofertas numa loja de departamento e comprou um clandestino igual. Não o culpo. Culpo a minha romântica inabilidade de contribuir pra uma história de final feliz.

Agora olho da sacada as luzes do prédio de INSS apagarem-se vez por vez, pensando na aliança que ele deu pra ela e não pra mim. Deve ter sido dentro desses petit-gateau, que eu adoro. Me ligou outro dia pra falar que poderíamos trabalhar juntos no restaurante que agora ele é chef. E eu seria sua subordinada. Talvez assim eu aceitasse. É bem mais fácil amar alguém indisponível...
E tem um outro, de quem eu gostei tanto e me rejeitou devido sua cativante cafajestice. Mas eu ouvia Jeff Buckley, suicida, e entendia todas as míseras palavras. Ah! Agora, com namorada e tudo, vem me resgatar do passado, dizendo vou praí!! Pedindo me manda foto tua porque agora tu tá mulher. E eu: só se for pra trepar propriamente. Implorando só se for pra você me amar e eu também.
Quando estou bem carente, me imagino de volta nesses meus lugares distantes, fazendo mais estrago. Dizendo que não queria mesmo, que era mixaria. Aliás, eu gosto mais ou menos assim. De sair correndo pra atender telefonemas que nunca vão ser pra mim. De falar pra essa multidão de gente que mora dentro de mim que o mundo é muito mais sozinho do que se pode pensar. De palestrar molhada de chuveiro que o amor num é pra quem sabe amar, não. Que é só pra quem ama e pronto.

domingo, junho 10, 2007

J & M

- E aí, o que achou?
- Do seu pinto?
- É. Sei lá.
- Num é nisso que estou interessada. O nosso lance é outro, sabe? Dá uma tragada?
- Que lance?
- Ah. Quero mais é saber do seu papo desastroso.
- Desastroso?
- É. Eu acho fantástico! Porque pinto é pinto. Num muda muito. Até eu posso ter um hoje em dia. Tá tudo tão acessível...
- Você sempre fala assim?
- Assim como?
- Com esse linguajar. Esse seu jeito de se referir a...
- Ah! Do pinto? Falo assim mesmo. Às vezes pintinho, outras pintão. Outras pinto. Prefiro pinto. E você?
- Como assim e eu?
- O que você fala?
- Eu não vou te contar.
- Você dá nome, né??? Que breeega!
- Eu acho melhor do que generalizar. Além do mais, ele é só meu.
- Fala o nominho, vai.
- A gente nem se conhece bem. Num é momento.
- Ai, que papo. Não é como se eu estivesse te pedindo pra ver. Aliás, eu odeio olhar pra pinto. Nem adianta, acho muito out.
- Out???
- Já foi o Renascimento. Época de pintar xereca e caralho.
- Nossa, mas que boquinha, não?
- Te deixei com vergonha? Eu páro.
- Não, tudo bem. Tô tentando me adaptar.
- Viu, conta o nome, vai.
- Você vai rir.
- Vou não, eu sei me sensibilizar.
- Tá... É Jonas.
- JONAS?????!!!! Como assim? É seu sobrenome ou o quê?
- Aiaiaiai. Num devia ter dito...
- Mas, Jonas? - limpando a garganta - Tá. Desculpa. É só que...
- Era o nome do meu cachorro que morreu faz sete anos.
- E...?
- E eu era muito apegado a ele e tal.
- E você bate punheta pensando nele!!
- Como você é grossa!!
- Não mais que o Jonas...
- Você não sabe como ia te fazer bem colocar um nome na sua...
- Ah, não. Ridí-culo! Digo... num é pra mim, sabe como é, né?!
- Bom, mas eu acho que ia combinar mais comigo alguém que também dá nome.
- Você acha?
- Acho fundamental pra nossa relação, caso você queira continuar me vendo.
- Porra. Tô lisonjeada.
- Então. Pensa aí.
- Ai, mas é meio difícil.
- Quer ajuda?
- Não! Peloamordedeus... Jonas é o suficiente.
- Tá.

Silêncio.

- Pensei.
- Pensou?
- Você vai rir.
- Vou não.
- Tenho vergonha.
- Pra essas coisas você tem, né?
- Sei lá, é muito íntimo.
- Mas agora a gente já superou essa barreira. Já te contei o meu.
- Tá bom. Pera. Deixa eu respirar.
- Hm.
- Vem aqui, deixa eu te falar no ouvido.
- Mas só tem a gente aqui.
- Pôxa...
- Tá bom, fala.
- É Melinda.
- Hm.
- O que você achou? Péssimo, né? Horrível, eu sei!! Mas eu sou ruim pra essas coisas. Eu não deveria ter nem considerado....
- Não. Eu achei lindo.
- A-achou?
- Achei. Combina com Jonas.
- É mesmo?
- Mesmo.

quarta-feira, junho 06, 2007

Nós

Esses poeminhas burlescos, embrulhados em celofane rosa. Eu dizia pra ele: poema, não. Eu sou prosa. Letrinhas de rodapé então, melhor ainda. Mas num adiantou. Que burra! Burra e carente. Gostar de alguém com dedos curtos. Eu nunca gostei de gente com dedos curtos. Nem dos pés nem das mãos. Além disso ele queria casar. Num deu. Mesmo. Minha garganta secou, como quando a gente trepa pela primeira vez e volta pra casa. A mãe pergunta onde você tava minha filha e você pensa que está escrito na sua testa: tre-pan-do. Gos-to-so. Mas responde: no cinema. Qual filme? Aquele novo lá.
E o meu amigo já frisava: você gosta tanto, tanto do amor, que o evita, foge. Fujo. Viro a esquina, entro bufante em qualquer casa. Aí vira coisa escrotérica: com terapeuta dizendo que estou bem melhor agora que consigo controlar a minha impulsividade. Como assim? Então quer dizer que eu era muuuito pior? Caralho. Que merda. Mais dinheiro em terapia. Eu prefiro assim: ou chamo de terapeuta ou de psicólogo. Analista é coisa de Woody Allen.
Tá certo, eu mudo de repente. Um dia sou frio, outro sou quente. Essa reclamação já é antiga. Começou com a minha mãe, quando ela quase me descobriu. Mas eu sempre soube que ela olhava pra mim e não me via. E ele tinha isso em comum. Aterrisava na frente de uma loja e soltava: nossa, mas essa roupa é a cara dela! Trazia pra casa o vestido cor-de-rosa pra ouvir: meu bem, eu já sangrei. Agora só visto vermelho.
Pode parecer que sim, mas ele não foi o único que se magoou, não. Tsc-tsc. Fiquei muito triste, arrasada, aquela vez que me chamou de lixeira. Eu não sou lixeira, ué. É, sim! Não sou. Isso é ar-te! Arte a caceta. A casa tá toda entupida. Iiih. Eu já te disse que vou usar quando estiver inspirada. Quando você estiver inspirada muita coisa vai acontecer, né? É. Vai. Bati a porta e me tranquei.
Tá bom, confesso. hihihi. Nada disso ocorreu. Eu sei, mentir num é legal. Mas me sinto péssima de ver que saí ilesa. Ele nunca me chamou de lixeira. Nossa, nunca me chamaria também. Tudo o que eu fazia era divino. Até quando dei o fora. Quando disse, veja bem meu amor. Não, acho que não disse meu amor. Mas eu disse veja bem. E ele travou uma lágrima. Foi duro porque nessa hora eu tive um eufórico ataque de riso. Não! Não tô rindo de você!!! É que tô nervosa. Mas então... Num dá. Respira... Uuuuf. Pronto. Então, eu preciso ir embora. Mas eu te amo. Ai, que ama que nada. Muito clássica essa coisa de amor. Eu te amo clássico. Você viu naquele filme essa frase, né? Pára de rir. Num é. Veja bem. Eu tô precisando assim, ser mais eu. Eu sempre te deixei ser você. Mais ou menos, né? Então tá. Quer ir, vai. Fui. Com peso, com culpa. Com a minha mãe reclamando mas-ele-era-tão-perfeito! Então casa com ele você, porra!
A sua mãe é recorrente, né? Dizia esse amigo meu. É mesmo. Muito.

sexta-feira, junho 01, 2007

Rótulos

- O pior já passou.
- É. Já passou...
- Agora é esperar.
- É. Esperar...
- Chove forte sempre por aqui?
- Chove. Às vezes, quero dizer.
- Chuva forte.
- É.
- Bom, então eu já vou indo.
- Mas já?
- Tenho que pegar o ônibus das seis.
- Entendi.
- A não ser que...
- O quê?
- A não ser que você queira... sei lá.
- O quê??
- Ah! Você gosta de cerveja?
- Gosto. Gosto sim.
- A não ser que você queira tomar uma comigo. Tem um bar logo alí.
- Tomo duas!
Arranharam as cadeiras de ferro no chão pra poderem sentar. Empurraram algumas moscas no ar e fizeram sinal de cerveja pro gordo no balcão, que apontou de volta um vem-pegar-você. Brindaram ao desconhecido. Foi decidido:
- Você sabe... Posso te chamar de você?
- Pode, claro que pode.
- Engraçado, mas eu não quero saber seu nome.
- Hm.
- É porque eu acho que tudo fica mais interessante assim.
- Sei.
- Verdade. De qualquer forma a gente nem vai mais se cruzar. Você mora onde mesmo?
- Mor...
-Não. Não precisa contar. Não muda nada.
- Okay.
- Vamos falar de algo que não nos envolva. Eu prefiro.
- Tipo?
- Tipo, o que você acha do alcoolismo no Brasil?
- Ah. Alcoolismo não. A gente tá bebendo.
- É justo. Então, o que você acha do Roberto Carlos?
- Acho que é como conversar sobre alcoolismo bebendo.
- Bom, então não sei. Você gosta de arte?
- Não muito.
- Você gosta de música?
- Alguma coisa.
- Sei. Você gosta de comer? Sabe, eu adoro coxinha.
- Não, não gosto muito. Só pra matar a fome.
- Poxa, mas você num gosta de nada?
- Gosto. Gosto quando me perguntam o nome, quando querem saber aonde eu moro e quando tudo isso junto é relevante.

quarta-feira, maio 30, 2007

Pôquer

-Você sabe por que te chamei, não sabe?
-Acho que sim.
-Pois é uísque com gelo?
-Sem.
Dão um gole sincrônico.
-Parou de fumar?
-Achei que seria melhor. Mas não é pra esse tipo de interrogatório que vim, é?
-Sempre na defensiva. Eu entendo.
-Entende...
-Bom, eu proponho agirmos civilizadamente.
-Porra! Você é meu irmão!!! Cara-lho. Como?
-Você num tá legal. Olha, a gente pode fazer isso outra hora.
-Não, estou ótimo. Não quero prolongar, nem posso.
-Desde o início sabíamos que daria nisso.
-Exatamente. E fui ouvir você.
-É apenas dinheiro, não vamos nos exaltar...
-Muito pelo contrário. Não é sobre dinheiro. É sobre o fato de eu sempre ir atrás das suas idéias. Desde sempre.
-Mais uísque?
-Sem gelo.
-Eu proponho agirmos civilizadamente.
-Que saco! Onde eu assino?
-Aqui ó.
-Ai, ela vai me matar. Já estou vendo.
-Calma, dinheiro você recupera até o final do ano.
-Não é isso. A gente estava guardando.
-Pra quê? Guardar pra quê?
-Não importa.
-Mais uísque?
-Um.
-Tô com um disco do Artie Shaw. Tá a fim?
-Num dá. Tenho que voltar.
- E amanhã?
-Depende. Mesa de quanto?
-O de sempre. Mais uísque?
-Último.
-Você vem?
-Num sei.
-Ah! Vem sim. Num tem graça sem você.
-Imagino por quê.

terça-feira, maio 29, 2007

Prestes a

Eu não vou negar: desta vez é muito pior. Tenho pena dos apaixonados porque eles não fazem idéia do que é isso. Vivem aí cambaleando sôfregos como se fosse grande coisa. Eu, não. Estou retardado. Já fiquei sem comer algumas vezes, mas agora é diferente. Agora eu tenho que suportar o dia passar e nunca passar. E fico aqui, sem abrir a persiana do quarto, pairando bobo a cada cinco minutos em frente ao telefone, que nem dá pra ver o número porque está escuro. Mas é ridículo, eu sei. E por isso que só conto o drama em voz alta pra mim mesmo.
O dia corre inquieto, sem base de comparação. Passo horas vasculhando a cabeça pra rimar com alguma coisa. Mas zero. Não rolou, não tem memória. Vai ficar assim, arquivo perdido no meio da minha história.
E as pessoas? Ah, elas gostam de tocar no assunto, de que estou mudado, de que não freqüento mais a casa de ninguém, de que isso as incomoda. Olha: foda-se. Porque talvez essa seja minha única chance de compreender o que tanto compositorzinho de mpb fala por aí. Espero mesmo que eu consiga ouvir o que eles têm pra dizer e não achar mais tão ruim assim. E que sirva pra virar cafonice e eu poder integrar esse mundo de gente que se abraça pra cumprimentar mesmo quando faz poucas horas que encontrou alguém. Isso é coisa de gente que amou e não pode mais abraçar quem gostaria. Ótimo também. Porque estou prestes a e mal posso esperar...

segunda-feira, maio 28, 2007

Situações Inóspitas do Amor (já-não-sei-mais-que-parte)

- Você não tem tempo pra mim.
- Estamos aqui, não estamos?
- Não me importa. Já não é do mesmo gosto.
- Mas olha quanta coisa bonita. Gastamos um dinheirão pra passar a tarde com reclamação... Vamos aproveitar, benhê!
- Não me chama de benhê que fica forçado...
- E agora deu pra me cortar os apelidos? Depois de tanto tempo juntos, você não gosta mais que te chame de...
-Não é isso, Adolfo. Eu mudei, sei lá. Mudei! Agora tenho ambição.
-Ihhh... Tá cheirando a coisa ruim.
-Descobri que os homens não sabem nos levar à felicidade plena. Passei muito tempo da minha vida esperando que você me fizesse feliz.
- E eu não fiz? Vai cuspir?
- Você não entende. Nem pode entender, coitado. Nós fazemos parte de algo muito maior, de uma constelação complexa de eventos e...
-Nossa, deu pra falar bonito. Falando em estrelas e planetas.
- Quanta bobagem, Adolfo. Aliás, eu não falo do Universo. Estou falando de nós, as mulheres. A gente que é entendida do assunto. A gente que sabe o quanto nos falta atenção nesse mundo onde homem vem primeiro.
-Mas benhêee. Você é sempre primeira em tudo na minha vida.
-Talvez depois do futebol, depois que a sua comida está na mesa, depois que resolverem abolir a Playboy... Mas já não me importo. Pode ler. Porque você também não é mais primeiro na minha vida. Agora que eu mudei, que eu...
-Mudou como? Deu pra sair fazendo passeata com alto-falante, gritando feminismo e arrancando o sutiã ?
-Ai, como é duro falar com ser inferior! É sobre algo completamente pacífico. Que tomei juízo. Me enxerguei. Daqui em diante eu não vou mais viver para você. De agora em diante é pra mim. E você será apenas uma "partinha pequenininha" da minha existência.
-Eu não tô entendendo nada desse seu papo estranho. Mas te falo que contanto que não mude a nossa rotina, benhê. Faz o que você achar melhor. Por mim, tudo bem.
-Pois não é caso para dar opinião, sabe? Eu mudei e não tem volta. O bem que me fez ler aquele livro! Mas não espero compreensão.
- Olha, só sei que o piquenique ficou murcho. Você me confundiu com essa história de planetas mulher e... sei lá. Pesou.

Silêncio prolongado.

-Benhê... Eu te amo. Você é inteligente, mulher com opinião. Você sabe que te admiro, né?Sempre foi muito boa comigo. Me agüentou todos esses anos... E já que esclarecemos bastante coisa, que você me contou seus planos de se cuidar mais... Olha que estou orgulhoso, hein?!!
A moça sorri desconcertada, mas descruza os braços. Aos poucos vai se desarmando e recebe um beijo no pescoço:
- Então... Será que você não podia fazer um favorzinho?
-Hm.
-Coça as minhas costas um pouquinho só, vai???

sábado, maio 19, 2007

Teoria dos Opostos

Existem teorias péssimas. A minha é mais uma delas. Aliás, nem sei se é uma teoria, mas gosto de chamar assim. Me faz achar que formulei algo que importa. Mesmo sabendo que ela se aplica a pouquíssimas ou quase nada de situações.
Começa assim: se você nunca soube o que é ficar sem dinheiro, então dificilmente saberá como é tê-lo. Se você nunca ficou arrasado com uma situação, então não sabe como é estar de bem. Se nunca peidou em público e ficou com vergonha, não sabe como é bom não fazer isso. Se ainda não ensinou algo pra alguém, fica difícil sacar como funciona aprender. Se nunca se comprometeu com nada, então não sabe o que é ser livre. Ponto.
Bom, deu pra entender? A teoria dos opostos não é baseada em coisas que devem ser experimentadas a fim de se saber do que se tratam. Ela requer que você faça exatamente o contrário - e cabe a você sábia complexidade.
Arregace as mangas para um teste argucioso:

1 - Quem nunca foi a um enterro de um familiar de perto, sabe como é ficar triste por isso?
a) Se contar cachorro vale, então, sim.
b) Claro que não, isso é a teoria dos opostos. Eu estudei, né?
c) O que é ficar triste?

2 - Quem nunca tomou banho de chuva, sabe dizer se dá resfriado?
a) Sabe porque a avó de todo mundo sabe.
b) Não sabe porque a mãe nunca deixou.
c) Nunca tive problemas.


Olha, agora vai ficar mais difícil. Se esforce!!!

3 - Quem nunca foi fiel, pode ser chamado de traidor?
a) Não porque não sabe como é que é ficar quietinho no canto.
b) Depende. Estamos falando de homens ou de mulheres?
c) Traição é um absurdo. Me recuso a comentar.

4 - Alguém que não consegue terminar nada do que começa, sabe como é ganhar corrida de fórmula 1 e o que isso implica?
a) Às vezes não foi culpa da pessoa. A sabotaram no processo de finalização.
b) Eu sempre termino tudo mesmo que seja antes de chegar ao fim.
c) Televisão ajuda.

5 - Quem nunca comemorou pros amigos que come todas as gatinhas (mesmo quando não o faz) sabe ser seguro de ter uma só e ficar quieto?
a) Ah. Isso é papo de mulher... Parou!
b) Pra que fazer se não puder comentar? Liberdade de expressão, porra!
c) Mulher também faz isso que eu sei!

6 - Quem nunca fez um fundo de boi sabe o que é um consomé de galinha?
a) Essa não vale!!!
b) É de comer? Tô dentro.
c) Não sei porque na faculdade de gastronomia não explicam nada direito.

E agora......... o grand finale:

7 - Você sabe o que é um pênis pequeno sem antes ter visto um grande?
a) Nunquiiiinha. Tem que ver, tem que ver!!!!
b) Mas o dele não é pequeno!
c) Mas o meu não é pequeno!!!!!!!

Boa sorte e quem quiser o gabarito manda as respostas pra eu checar.

quinta-feira, maio 17, 2007

Ai que nervoso que dá
Tentar desenroscar um colar

segunda-feira, maio 14, 2007

Internacionale Circo di Napoli



Foi bizarro. Chegamos no lugar pra eu tirar essa foto e ir embora. Mas acabamos com um par de cortesias para o Circo Di Napoli, em uma de suas tantas únicas apresentações!
Levei a câmera pra dentro do lugar, tendo certeza que era coisa de periferia. De Freguesia do Ó. E era pior: anos oitenta com toque russo batom vermelho-sangue.
A mulher que apresentava acrobacias meramente infantis, vestia um collant furado, perceptível a qualquer olho estúpido e míope.
O cara que andava de monociclo e bicicletas não-convencionais, caiu no mínimo cinco vezes, tendo gerado desconcerto nas poucas vinte-pessoas lá espalhadas.
Fui fuçar os fundos da tenda pra ver se entrava no camarim. Achei vários trailers estacionados, com um cachorro irritante latindo pra minha câmera. No fim, acabei achando meia dúzia de lolitas se trocando pra suas performances marcantes. Aproximei-me e perguntei se poderia entrar para fotografá-las. Recebi um: Você trabalha pra que jornal?... Nenhum. E num ar esnobe, a mulher que se prende pelos cabelos e é erguida até o topo do grande pula-pula me rejeitou.
Voltei a me sentar e o show de horrores prosseguiu. O meu irmão fingia conversar em sintonia com um deficiente mental, que por acaso estava sentado ali, assistindo a tudo sozinho.
No meio do espetáculo já tínhamos tido o suficiente. Nos levantamos em direção à saída lamentando apenas não ter comprado a pipoca doce, que nesses lugares é sempre muito boa.

sábado, maio 12, 2007

vinte e seis de maio

Realmente eu não sei. De onde eu tirei a idéia de contar pros meus alunos que quando eu era criança gostava de lamber muro e parede?
Agora agüenta. Já me foi proposto até bolo de aniversário versão cimento.

sexta-feira, maio 11, 2007

Entende?

Uma correria na favela. Todos em guerra civil, cada um a favor de sua pátria individual. E ela perdida no meio, tentando fazer parte do perigo, mas também tentando se afastar. Não era possível ser apenas espectadora, então teve que tomar lados.
Caiu no beco de algum zé. Ele, todo cheio de ares de chefe, porém baixinho. Não perdeu a chance e foi logo exibindo para a moça as diversas formas de se matar.
Ela ficou ali, boquiaberta, vendo gente cair no chão sem qualquer trilha sonora.
Posso ir embora? disse estarrecida.
Somente depois que eu separar essa sua pele entre o polegar e o indicador.
Como assim??!! já pálida.
Eu tenho uma faca que utilizo para turismo. Todos que vêm até mim, levam esse pequeno corte.
Mas. Mas por quê??
O baixinho respirou curtamente, como quem não quer perder tempo com explicações:
Pra não esquecer onde esteve, entende?

quinta-feira, maio 10, 2007

Boteco

Avisou que ia sair do bar. Todos contestaram, assim, unanimemente. Mas não, tinha que trabalhar no dia seguinte, já ouvira piadas racistas demais para aquela noite. Hora certa de abandonar, sem ter que dar grandes explicações. Porque pra isso já bastam os bêbados que lá ficarão. Eles sim, vão ter que passar a noite provando motivos pra não ir embora.
Mas é preciso se despedir começando com mentira inocente:
Você quer ir, vai. Ninguém aqui quer. Mas é sua escolha.
Num é, eu tenho que ir, né? Seis horas da manhã, eu num agüento muito.
E eu? Eu tenho que acordar às quatro.
Bom, não sei. Veja bem... (Não é do meu feitio ficar aqui com um bando homens no bar). Não! Nem disse isso. Pensou, quis dizer, mas na verdade era mais por que se ficasse ia realmente dar showzinho.
Chega mesmo o ponto onde é melhor rejeitar qualquer proposta que possa surgir apenas pra poder encarar as pessoas novamente quando for o caso.
Assim, beijou no rosto dos quatro. Saiu com sorriso do lado... Ouvindo Louis e Ella no carro.

quarta-feira, maio 09, 2007

Você vai ver

Eu dizia: Conhaque não! Conhaque não bebo, num gosto.
Mas é só colocar um pouco de limão, você vai ver.
E não adiantou.
Então fuma um charuto, você vai ver. Ajuda.
Fumei charuto, fumei cigarro de tudo quanto é tipo de degustação. Não ajudou.
Peguei o carro, o doido que me pediu carona carregava uma balança.
Tô indo comprar um fumo. Vou pesar. É um esquema assim, o cara não sabe que tá vendendo pra mim, mas o amigo sabe. Levo minha escova de dente. Durmo lá. Pode me deixar na esquina. Isso. Quer ir também?
Não, obrigada. Vou dormir, fingir que gostei. Que gostei do conhaque.

domingo, maio 06, 2007

Gente inadequada gosta assim

Olha e ouve bem. Ninguém mandou acordar seminua. Hm-hm. Isso. Pega e junta tudo pra mais uma coleção. Você também não vai se recordar muito daqui a pouco. Ora, nem sequer sabe direito se gosta de vestir par de meia no inverno ou não, num faz tanta diferença assim. Tá ótimo pelas previsões então. Num sabe o que houve, finge algo completamente fantasioso e põe ponto final, como é de costume.
Tem um pouco de gosto na garganta, né? Eu sei. Mas isso também dá pra fingir de não-acontecido. O resto, bola pra frente, a gente tem simpatizantes. Impossível você ter sido a única que não enxergou direito os arredores. Tava bêbada, tava lá tentando dar de entendida com coisa que não entende. Acontece também. Como corpo conselheiro, eu diria pra ficar em casa no resto do final de semana que te sobra e escrever sobre isso, de forma bem malabares: corrigindo tudo milimetricamente. Claro que o português não colabora. De todas essas palavras, você reescreve tudinho. É assim mesmo, sabe? Tem que rolar tudo inadequado porque gente inadequada só gosta disso. Desse tipo de história pra contar. Peraí. Tô corrigindo minhas linhas. Hm-hm. Pronto. Continua. O que era mesmo? Ah. Gente inadequada. Que tá com dor de cabeça mas faz bonito. Sorri feliz "esse é meu trabalho, viu?". Poucos viram. Pouquíssimos verão. Quantos outonos e invernos?
É. Piada infame. Pára tudo. Volta lá pra cama que estava melhor. Quem sabe um dia você ainda cria algo, que já não foi tão criado assim, mas que meia dúzia de ignorantes não saibam e te chamem de gênio. Seria legal, bem legal. Enganar assim e rir sozinha.
E arte não vem do peido, não adianta. Você passa por tudo isso, recorta algumas palavras, que-bonito-que-eu-escrevi, mas também, nada de novo. As pessoas não estão interessadas no seu papo. Caso estivessem, seria preocupante.
Tá. Meia-volta e deita. Hm-hm. Estira lá o corpo , esquece o peido, esquece qualquer assunto maior.
Bonito que acabou... eu acho.
Você não, né?

sábado, abril 28, 2007

Essas coisas cafonas

Fiquei aqui narrando em primeira pessoa. Puro monólogo. Não tinha ninguém pra ouvir meu discurso. Mas tudo bem, porque eu desde criança costumava contar história pro espelho. Como se lá dentro habitassem infinitos espectadores, todos muito interessados. Agora já não tenho mais essa coisa de amigo imaginário. A gente cresce e fica com vergonha. A gente acha tudo muito cafona, quando na verdade não passa de um bando de enrustido, sempre agindo conforme a platéia.
Mas, poxa, você não acha que escrever num teclado de computador, num sábado à noite, num é como ter um amigo imaginário? Só que é assim, mais aceitável, porque você tem que saber digitar as letrinhas certas e fingir que tem todo um assunto que vai chegar a algum lugar, tem que ter tese e síntese, tem que ter todas essas coisas cafonas que os adultos evitam.

domingo, abril 22, 2007

O batom

A mancha que você deixou nos lençóis não vou limpar. Pretendo deixá-la ali, secando pra ter o que guardar. E você foi embora assim, batendo as portas, jogando tudo nosso fora. Pensou o quê? Que eu não fosse mais respirar? Que ficaria ali, apodrecendo junto à poça seca? Que evitaria contar pros nossos conhecidos que você me deixou a fim de te esperar voltar?
Pois eu digo que nada disso vai acontecer. Eu guardei a mancha junto a tudo que vivemos, numa das minhas tantas gavetas velhas. Assim ninguém me rouba. Porque de roubo, já cansei do que você me tirou. E também tem o gato, todo estabanado, que vive se entrelaçando pelas minhas pernas. Vou guardá-lo também. Assim quem sabe ele não mia mais seu nome.
Não estou chateada, não estou mesmo. Eu guardo tudo, não tem problema, não. Você era só mais um que faria isso. É inevitável, bem inevitável. Fumo um cigarrinho, lavo os cabelos e estou pronta. Desço até o café mais próximo. E tudo bem se tiver que descer cinco lances de escada. Agora tenho tempo, não tem quem me apresse pra me arrumar. Passar batom, nem pensar!
Lembro quando você me deu aquele batom horrível de marca barata com cheiro de morango. Eu nunca gostei, nunquinha. Fazia por você.
Mas teve. Teve aquela vez, sim, quando eu estava no banheiro, analisando minuciosamente todos os poros do meu rosto, toda atenta, compenetrada. Tinha certeza que estava sozinha. Mas você se aproximou silenciosamente . E segurou firme na minha cintura nua e molhada. Ajoelhou-se e a beijou fugaz . Ergueu-se, virando meu corpo de frente pro teu. E ainda em silêncio passou o batom nos meus lábios. Beijou-os, virou-se e foi dormir.
Hmmm.... esse batom... talvez eu fique com o batom.

A Evolução do Macaco

Macaco chafurdando na lama não existe, disso eu sei. Ele não fica ali se lambuzando, não. Deixa pro porco, que não tem coisa melhor pra fazer. Agora macaco também não pega a máquina de escrever e datilografa, disso eu também sei. Macaco é meio assim, meio gente, meio porco. Não faz nenhum, nem outro.

quarta-feira, março 28, 2007

Desastres do Amor - parte II

- Fala.
- Fala você primeiro.
- Não. Fala você, vaaaai.
- Você!
- Não. Fala você, amorzinho... hihihi.
- Tá bom. É que...
- Não!! Deixa eu falar então.
- Mas você não disse que era pra eu falar?
- É, mas se você for dizer algo difícil de eu ouvir, algo com o qual eu não possa lidar, eu prefiro falar antes.
- Mas...
- Sério. Eu não suportaria.
- Mas eu só ia dizer...
- Na verdade, não fala mais nada.
- Tá. Então eu não falo, mas você fala.
- Esqueci.

sábado, março 24, 2007

Funeral

Eu pulo um dia
E vivo outros dois
Me amarro na segunda
E na sexta já se foi
Mas há tão pouco tempo
Pra se viver um sentimento
Não se passou o sábado
E você jaz aqui dentro

quinta-feira, março 22, 2007

Desastres do Amor - parte I

- Você sabe que é o amor da minha vida?
- Ah... Pára!
- Não. Sério. Eu nunca gostei de ninguém assim.
- Iiiih. Você fala isso pra todo mundo.
- Falo não...
- Fala sim.
- Tá bom. Eu já falei. Mas foi diferente.
- Diferente como?
- Não foi pra você, ora.
- Tá vendo?

domingo, março 11, 2007

Minha memória e meus esquecimentos

A minha memória não é muito confiável. Vivo esquecendo as coisas próximas que aconteceram ou que estão para acontecer. Mas também acho que selecionamos o que queremos guardar. Eu consigo claramente lembrar de cenas minhas andando no inverno chuvoso de Londres, de entrar no metrô com a mala nas costas pra ir pra Itália, de dividir meu discman com o Tris e cantarolar numa balsa na Tailândia, de dividir um quarto com um inglês bêbado na Nova Zelândia, de visitar sebos em Londrina enquanto morei lá, de ter descoberto que meu pai estava no hospital quando eu lia Olhai os Lírios dos Campos, do Érico Veríssimo. Me lembro de ter recebido um beijo roubado do meu ex-namorado quando eu ainda tinha 16e de ter reaparecido depois de oito anos pra cortar o coração dele novamente.
Lembro de ter entrado um espinho na sola do meu pé quando era criança. E do quanto eu não queria que a minha mãe o tirasse por medo de doer. Mas por tê-lo deixado ali, uma bolha o foi envolvendo e dentro de poucos dias eu não podia pisar com aquele pé. Aí minha mãe teve que estourar a bolha e extrair dolorosamente o meu segredo de espinho.
Lembro do meu amigo imaginário, Bruno, que era o nome de um colega de sala de aula na minha infância, que morreu aos nove anos de idade. Ele era filho da minha professora preferida: de inglês. E eu passava horas conversando com ele, num inglês que eu inventava diariamente na minha cabeça.
Lembro de ter tido o meu primeiro gato. E de como nunca mais fui a mesma.
Lembro de terem matado meus dois gatos envenenados. E de como nunca mais fui a mesma.
Lembro do meu melhor e do meu pior beijo.
Lembro de ter visto a minha mãe chorar muitas vezes.
E lembro de ter chorado achando que ia morrer num país estrangeiro.
Lembro de um ex-namorado se esconder atrás de uma prateleira de pães num supermecado pra não me encontrar. E de como eu morri de raiva e de rir com isso.
Lembro de na adolescência ter recebido um bouquet de rosas vermelhas na sala de aula e de ter esperado todo mundo sair da escola pra eu não ter que desfilar com elas na frente dos outros alunos. E de ter deixado as flores secarem porque fiquei com raiva do moleque que fez algo que eu não estava preparada para passar.
Lembro de já ter reclamado por não receber flores.
Lembro de já ter me apaixonado rapidamente e também ter deixado de gostar rapidamente.
Lembro de quando a minha irmã se casou e de como me senti traída por isso.
Lembro de sempre tocar clarineta errado nas audições porque ficava muito nervosa. E várias vezes tive que recomeçar a música.
Lembro de a minha mãe ter visto eu beijando um garoto no sofá quando eu tinha 17 anos e de tê-lo mandado embora pra casa.
Lembro de já ter considerado ser freira.
Lembro de já ter me achado louca de um dia ter sequer pensando em ser freira.
Eu lembro de muitas coisas quando elas me importam. Mas também já esqueci de muitas memórias porque não suportaria guardá-las comigo. E elas precisavam dar espaço para outras menos doloridas.
Lembro do momento que recebi a notícia da morte da minha avó. Mas esse foi um dia que não pretendo esquecer.