terça-feira, outubro 02, 2007

A lata, minha metafísica

De um tamanho desproporcional, dizia o cabeçalho. Eu não acho, no entanto, que tudo tenha tomado este rumo. Tive que ler a carta com um copo de água do lado porque a garganta amargava. Talvez as especulações sejam ditas certas, que eu não enxergue o que deva ser retocado. Na horizontal, não podia. Não podia meio-dia, não podia lajota, reverenciar o sovaco, circundar o inanimado.
E eu queria monologar a minha lata, sobre a tristeza de tê-la aqui comigo. Me jogar no sofá, espreguiçar. E contar, quero contar. Olha, eu procuro profundo. Assim, de tocar os dedos no fundo desta lata. Aí vem o cheiro de eucalipto e é como a história que não acabei de narrar. Eu não tenho nada de eucalipto, nada de desproporcional. Então devo passar a lata pra frente. Devo passar também quem me diz essas barbaridades. Então reembrulho a carta e a devolvo na caixa de correio, ando de passos contrários, rebobino meu dia.
E fim, e nem queria. Nem vou descrever mais como foi tudo isso. Volto pra cama, o cobertor em meia-volta. Estou de meias esgarceadas, quase se desnudando dos meus calcanhares. Eles ficam secos. Aí lambo os dedos e passo neles. E cheira cuspe, cheira meu cheiro. Não gosto do meu cheiro, então vou comprar um hidratante. Desses que desodorizam a vida. Tiram tudo, é bem livrar-se de uma infecção. Essas coisas da modernidade, que todo mundo limpa com algodão, são mesmo uma maravilha. Não tem que entrar em quase nada, descarta tudo, faz digestão. Aí as palavras vêm pra gente, não fazem o menor significado. Tá tudo procurado em dicionário, e eu com vergonha de mandar um beijo. Mandar um beijo é mesmo muito brega. É como acenar e não receber de volta. E quando viu, mandou pra pessoa equivocada, que olha pra trás pra ver se era pra outrem.
Outrem. Ninguém deveria usar esse termo. É feio. É tão feio como dizer te mando um beijo. E o beijo não volta, eu olho pra minha cama e as meias se foram. Não vou procurá-las. O meu corpo recebe as funções ativas de sempre mas eu decido que é aqui mesmo. Não quero me obedecer hoje. A lata me frustrou, estou no mijo desse cobertor e não tem ninguém pra pagar a conta que chegou. E vou, vou. Vou inventar sobre o que não mais sou.

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