sábado, abril 28, 2007

Essas coisas cafonas

Fiquei aqui narrando em primeira pessoa. Puro monólogo. Não tinha ninguém pra ouvir meu discurso. Mas tudo bem, porque eu desde criança costumava contar história pro espelho. Como se lá dentro habitassem infinitos espectadores, todos muito interessados. Agora já não tenho mais essa coisa de amigo imaginário. A gente cresce e fica com vergonha. A gente acha tudo muito cafona, quando na verdade não passa de um bando de enrustido, sempre agindo conforme a platéia.
Mas, poxa, você não acha que escrever num teclado de computador, num sábado à noite, num é como ter um amigo imaginário? Só que é assim, mais aceitável, porque você tem que saber digitar as letrinhas certas e fingir que tem todo um assunto que vai chegar a algum lugar, tem que ter tese e síntese, tem que ter todas essas coisas cafonas que os adultos evitam.

domingo, abril 22, 2007

O batom

A mancha que você deixou nos lençóis não vou limpar. Pretendo deixá-la ali, secando pra ter o que guardar. E você foi embora assim, batendo as portas, jogando tudo nosso fora. Pensou o quê? Que eu não fosse mais respirar? Que ficaria ali, apodrecendo junto à poça seca? Que evitaria contar pros nossos conhecidos que você me deixou a fim de te esperar voltar?
Pois eu digo que nada disso vai acontecer. Eu guardei a mancha junto a tudo que vivemos, numa das minhas tantas gavetas velhas. Assim ninguém me rouba. Porque de roubo, já cansei do que você me tirou. E também tem o gato, todo estabanado, que vive se entrelaçando pelas minhas pernas. Vou guardá-lo também. Assim quem sabe ele não mia mais seu nome.
Não estou chateada, não estou mesmo. Eu guardo tudo, não tem problema, não. Você era só mais um que faria isso. É inevitável, bem inevitável. Fumo um cigarrinho, lavo os cabelos e estou pronta. Desço até o café mais próximo. E tudo bem se tiver que descer cinco lances de escada. Agora tenho tempo, não tem quem me apresse pra me arrumar. Passar batom, nem pensar!
Lembro quando você me deu aquele batom horrível de marca barata com cheiro de morango. Eu nunca gostei, nunquinha. Fazia por você.
Mas teve. Teve aquela vez, sim, quando eu estava no banheiro, analisando minuciosamente todos os poros do meu rosto, toda atenta, compenetrada. Tinha certeza que estava sozinha. Mas você se aproximou silenciosamente . E segurou firme na minha cintura nua e molhada. Ajoelhou-se e a beijou fugaz . Ergueu-se, virando meu corpo de frente pro teu. E ainda em silêncio passou o batom nos meus lábios. Beijou-os, virou-se e foi dormir.
Hmmm.... esse batom... talvez eu fique com o batom.

A Evolução do Macaco

Macaco chafurdando na lama não existe, disso eu sei. Ele não fica ali se lambuzando, não. Deixa pro porco, que não tem coisa melhor pra fazer. Agora macaco também não pega a máquina de escrever e datilografa, disso eu também sei. Macaco é meio assim, meio gente, meio porco. Não faz nenhum, nem outro.