segunda-feira, agosto 25, 2008

Tem gente que ama à vista
Tem gente que ama em parcela
Tem gente, amor de cinema
Tem gente, amor de novela

segunda-feira, agosto 18, 2008

O homem nulo

Me cutucou o ombro e apesar de odiar ser cutucada, me disse logo de imediato que era importante e resolvi me espichar pro papel. Dizia "Clínica dos Olhos" e embaixo algumas informações sobre ele, o paciente que me cutucava e indagava qual era o endereço escrito ali. E apontava no lugar certo, porque apesar de não saber ler, sabia que perto de uns números viria algo parecido com rua tal. Eu lhe disse Rua Aurora, mas avisei que não sabia onde ficava. Me arrastou uma expressão canino-decepcionada. Ora, eu sabia ler, mas ainda não era o google maps. Mostrou-se ainda mais ansioso, alisava a camisa boa e branca, a escolhida pra consulta dos olhos e observava com cabeça de ventilador as avenidas, todas elas com letras escritas compridas, placas grandes e nada compreendidas. E pra que precisava de olhos bons se não podia ler? Pediu-me licença e espremeu em mim sua sacola plástica. Foi até o cobrador e este lhe direcionou: é no próximo. Desce e vai pra esquerda. Obedeceu inquestionavelmente. Não sei se foi pra esquerda. Não sei nem se ele foi mesmo ver os olhos, se o papel era pra ele, se era ele o paciente, se queria enxergar algo além de ruas sem nomes. Ele era, pra mim, o estrangeiro eterno, o homem que nasceu e morreu em país alheio, que não falava a língua do meu mundo. Ele era o homem nulo.

quarta-feira, agosto 13, 2008

Entranhas Estranhas

Ainda não entrei em bifurcação
e reconheço, no entanto,
que este momento há de chegar
quando as minhas duas histórias,
em universos paralelos irão coexistir
mas talvez o meu corpo,
o meu tão leve-pesado corpo,
apenas sinta uma delas e a outra,
esta irá se distrair num lugar tão próximo
que não saberei enxergar

Passivo-mudo

Escrever é uma deficiência física
O autor mudo tem voz que não existe
Os dedos comandam um evento independente
Rabiscam, guardam, deletam e assinam
Palavras infiéis ao corpo presente

segunda-feira, agosto 11, 2008

Entre a crise e o Artista

Eu me lembro de quando as formas se tomavam quase que autonomamente, sem a minha breve consciência e eu apenas assinava perto do rodapé. Naquele tempo eu ainda não havia decidido assinatura qualquer e rabiscava por horas alguns traços arredondados, que supostamente me dariam um futuro status como artista. Era, então, preciso ter nome forte, nem que fosse necessário nascer novamente, recriar minha identidade. Afinal de contas, quantas célebres pessoas são designadas pelo real nome quando expõem sua arte?

Foi quando me levantei e não fui famoso. O lucro não sairia de histórias de cinema bem-sucedidas, os livros tão queridos e capas imaginadas, os sonhos anotados e a cabeça desconcertada... Nada viria. Nem as noites de porre e isolamento pleno, nem os diagnósticos mal feitos e amores mal lavados ou qualquer ponta de desequilíbrio me levariam a ser conhecido.

A cabeça travou por alguns segundos, olhei para os lençóis que nunca troco da cama, abri a enorme janela suja e lá embaixo o sempre poste de luz. Os prédios não passavam de imundícies, o ar paulistano era somente poluído, os antes desgraçados vendedores de alma tornaram-se apenas pessoas preocupadas com dinheiro e beber a água velha da geladeira não era mais sinestésico e a cozinha de chão de barro não me lembrava infância alguma. Eu queria sumir de mim, eu queria ser aquilo de antes e tive dúvidas se realmente tinha sido artista um dia.

Resolvi me levantar aos poucos para diminuir a tontura. Os pés descalços no chão de tacos. Tropecei em dois soltos que quase me voaram o pijama. Isso me fez acordar abruptamente: estava acontecendo? Um banho veio em mente que talvez trouxesse minha poesia de volta. Agora era o momento de o chuveiro levar o pesadelo pro ralo. Esfrega, esfrega e o sabonete só espanta o nojo momentaneamente. Corri pra fora do banheiro e encharquei o corredor inteiro. Vesti o primeiro casaco do monte, me sequei em um par de calças velhas, as vesti, destranquei a porta e desci andares de escada. Apalpei os bolsos no descer. Térreo e encontro o vizinho. Tem um fósforo? Tinha.

Tossi alguns velhos escarros. Eles me recordavam a poesia. Mas ainda não era ela. Quem sabe abrir a porta de entrada e esbarrar em algum desconhecido, subir e escrever sobre isso?

Esbarrei de propósito e logo considerei bater o barbudo na cara. Homem estúpido, dia ensolarado sem nada, pessoas porcas mijam nas ruas e eu vou me deitar agora. Aqui, nessa calçada de saco-de-lixo pra um homem como eu, homem-lixo, homem-mijo, homem sem nenhuma razão. Terminei o cigarro, joguei-o na poça encardida que me refletia. Um cão se aproximou e lambeu a melação. Não me passou nada. Respirei três vezes e ergui a cabeça pro céu. O sol me fez espirrar e decidi: hoje eu vou dormir. O dia não veio pra mim.

segunda-feira, agosto 04, 2008

As minhas Lágrimas de Dois Segundos

O dia não me permite lágrimas por mais de dois segundos. Às seis da manhã, o buraco no estômago e vai a primeira leva de dois. O corpo frágil se arruma então, pra um dia inteiro de contas regadas a pingos curtos. Às nove, o disfarce no metrô, ler o jornal com a cara enfiada, mas ninguém percebe mesmo as minhas lágrimas de dois segundos. O trabalho corre seco, fingido de sorriso. E tem a saída, voltar para o ônibus, caminho inverso. Outro cobrador, ótimo. Podem-se ir mais dois segundos. O andar arrastado pelas ruas que me fazem pensar nesse choro à prestação, causam meus próximos dois segundos. Comprar comida no nosso varejão, parar em frente ao prédio e o carro não estar lá me surram dois segundos. Abrir a porta do apartamento e não ter barulho, suspiro. Olhar pra tudo e pra nada, porque tudo foi retirado... Assustada, mais dois segundos. Não comer, não comer, não comer. Banho, água com dois segundos. Ir até a locadora, dois segundos. Andar na Paulista, dois segundos. Não receber telefonema, mais dois segundos. Subir pro trabalho novamente vestida de contente, cansa mais ainda. Fazer frio no ponto de ônibus e eu sozinha. Pensar em voltar pra casa, dois segundos. Todo o movimento noturno, mais triste sem o sol, a falta do carro, o elevador, a porta trancada, o não-barulho, a cama branca, eu deitada. Finalmente respiro: é a vez das minhas lágrimas mil vezes dois segundos.