quarta-feira, agosto 29, 2007

Amanheço

Quando já cedo, pensava sozinha de si a aurora fosse mesmo a enganadora dos dias. Amanhecia menina, dormia resina. Passava cruzando retalhos, com letras grandes espalhava vogais. As miúdas restavam para as que não são lembradas jamais. E em seguida a mão nas roupas, caídas entre meias e camisas, todas brancas, todas secas, resmungava melodias.
À tarde café na mesa, não havia quem viesse para os biscoitos. Estavam alí para impressionar. Muito obrigada, obrigada. Aplaudíam-na os fantasmas de cortinas a ventar. Dispersava alguns farelos, cortava o pão e dançava a toalha no ar. Via pássaros descer fio reto e os movia a voar.
Queria então, caísse a noite, caíssem os olhos, mas somente o ritual pra fazer adormecer: algumas luzes no corredor, alguns cômodos para escurecer. Pingava os dedos nos interruptores, espiando o telefone na sala de estar. Alcançava o último quarto, suspirava pra ir deitar.
Os pés finalmente, esfriavam-se dos chinelos. Estendia os lençóis de folhas para monopolizar seus curtos pêlos. Vedava as pálpebras, tocava a púbis no nevoeiro. Acalentava os ossos mansos, os corpos do seu corpo unindo-se em desejo. Segundos de eternidade desconfiavam seu silêncio. Era apenas um momento.
E no cume da majestosa letargia, acrescentava-se luz ao cinza. Via passos, via Borges, era o gato. Via o corredor por debaixo. Crescia em espasmos, espantava o quente bafo. Encolhia dentro do peito o mais unânime segredo: via a aurora do seu medo completar o seu enredo.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Dissidências foram aquelas. As portas se abriam, falo abriam-se então. Não havia escuta, não se entendiam, não queriam. E depois vieram a matar o pé de cidreira, achar que resolveria, um chá, uma moita, uma nova forma de vigília.

terça-feira, agosto 21, 2007

Incesto Sozinho

As coisas se acrescentam e nós não acrescentamos nada. Disse-me que nem sabe o que é isto. Que gostaria assim, de se rasgar toda. De ser deixada, de ser traída e de se ver doer. Pedi-lhe para que me contasse os seus dedos. Dos pés? De segredos. Mas não tenho dedos-segredos. Ora, todos nós temos. Como aquele de quando você chutou a preta e a pegou de volta? Isto. Peguei-a de volta porque amava. Nada, pegou porque ela não tinha para onde ir e você também não tinha para onde levá-la. Mas não é o que nos aproxima, nós seres, tão irrevolentes sem casa buscando teto alheio? Não existe a palavra irrevolentes. Claro que existe, acabei de dizê-la. Existe para você, então. Isto. Existe para mim, então.
Deita aqui um pouco. Não, tô brava. Não gosto quando inventa palavras. Tá. Vamos falar do Universo, ele existe para você? Existe para todo mundo. Mas ele existe para você como existe para mim, com toda luz que não tem luz, de traços cinzas e fios pratas? Pra mim ele é pó, a gente sopra e ele se desfaz, é caleidoscópio. Nunca tinha pensado, mas é. Vira a página, vira. Calma, gostei desta figura, ela parece com a tia Mara. O cabelo, né? O cabelo dela, enroscava enquanto dormia, dava pra tecer o incerto.
Desde sempre achei que os mesmos não podiam se gostar. E ninguém poderia saber. Ninguém vai, não se preocupe. Não vamos ter filhos, você sabe. Eu nunca quis. Também não. Fecha o livro, vem aqui, me cansa o Universo. O que mais? O quê? O que vai nos acontecer? Depende, agora que começou, eu não sei quem vai parar primeiro. Mas não queria ver? Não disse que queria se rasgar? Estou aqui pra isso. Eu tenho medo. Não tenha. Ou tenha, também. Vamos ter juntos. Você promete? Prometo. Então deita aqui. Num vai mais inventar palavras? Não, não vou. Vou inventar você, pra mim.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Contei uma, contei duas. Poderia até contar três, mas não vem ao caso. Isto é tudo uma outra história.