sábado, janeiro 08, 2005

Londres

Pinta o muro de azul
Para onde o ceu nao ve sol

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Relacoes Funcionais IV

Na mesa do escritorio, 5 lapis apontados deitados paralelamente. Na parede do escritorio, um relogio de ponteiros cujo som de cada batida irritava quem entrasse pra conversar assunto serio.
A cadeira do escritorio, giratoria e de encosto muito alto, cobria com 3 palmos de sobra a cabeca do diretor. Este por sua vez, um nanico narigudo, tinha que saltar da cadeira pra alcancar os pes no chao. Costumava rodear o empregado que ali sentava quase se mijando de medo.
Hoje rodeava o grandao do Alex, rapaz responsavel pelas entregas das papeladas em dia. Como atualmente Alex na estava sendo muito pontual, o chefe o convidou para uma conversa intima naquele escritorio sombrio onde o relogio marca suas horas de vida na empresa.
Nao gritava na cara do jovem, mas fazia questao de imprimir uma voz arrastada e rouca, carregada de suspense e terrorismo. O coitado se encolhia como uma cadela prenha que faz forca pra retirar aqueles 5 filhotes de dentro dela. O rosto avermelhado com a dor de estar presenteando a situacao embaracosa, a cabeca repleta de pensamentos homicidas. Imaginava pegar aquele anao e torcer o bico do mamilo dele com uma chave inglesa. Amarrar aquelas perninhas de frango aos pes da mesa e arrasta-lo assim por toda a empresa. Usar a barriga de cerveja dele como saco de pancada. Quebrar aqueles 5 lapis ao meio porque talvez essa fosse a mais irritantes das reacoes.
Mas nao conseguia enfrentar o nanico narigudo. O pensamento esvaecia e retornava a ouvir aquela voz raivosa do chefe:
" Porque nesta empresa nao e' permi-ti-do... Repito: nao e' perrrr-mi-ti-do atraso. Se o senhor deseja atrasar o andamento da compainha, entao aconselho que mude de emprego. Arranje algo como organizar desfile da Sapucai todo ano...Entendido?? Aqui nao existe palhacada. Quem quer que seja que venha trazer pa-lha-ca-da para a empresa, eu aconselho a Sapucai do Rio de Janeiro. Compreendido??"
O rapaz nao conseguia nem tremer as cordas vocais afim de emitir um som qualquer, mas arriscou um "Sim senhor" bem baixinho.
E o anao insistia: "Eu nao te escuto. Esta compreendido ou nao???"
E o gigantao respondeu militarmente alto e claro: "Sim, senhor!!!"
"Entao por favor se retire porque nao temos mais o que conversar. Passar bem..."
O desengoncado Alex levantara-se todo grudando de suor e sem olhar pra cima retirara-se do escritorio.
O nanico narigudo mais uma vez intimidava e compensava a sua falta de altura. Porque todo nanico e' assim: folgado. E nao feliz por apenas ser folgado, tem que ser incisivamente centro das atencoes e respeitado por suas aquisicoes profissionais. Tudo para de certa forma compensar o que a natureza de sua genetica lhe falhou: tamanho suficiente para passar percebido.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Relacoes Funcionais III

Olha que fazer piada de tudo, em cima de qualquer coisa, nao era segredo nenhum para ele. Conhecido como o famoso piadista da turma, Xaveirinho nunca pensou em ser comediante. Queria mesmo era rir na cara de todos e sem limite de gozacao. Quem nao aguentasse, nao era problema dele. Ja fez muitas meninas chorarem e perdeu algumas namoradas com tapa na cara de finalizacao. E ria logo em seguida, porque nao tinha sensibilidade o suficiente para evitar um sorriso malicioso.
Os amigos, como eles mesmo se consideravam, eram os guarda-costas de suas risadinhas. Quando a coisa ficava preta, dois deles que eram simplesmente duas barras de puros musculos, tomavam conta de limpar a barra do Xaveirinho, que de tamanho nao tem nada. Dai eu acredito que o Xaveirinho pelo menos sabia escolher as amizades...
Um outro amigo era aquele que fazia o papel de consciencia da turma. Horacio Honesto, nem sempre ria do palhaco e nem sempre deixava que rissem de senhoras velhinhas atravessando avenidas largas.
Mas Xaveirinho pouco se importava. Arrumava encrenca pra rir da mesma. Quando resolvia sair de casa para encontrar os amigos no bar, fazia questao de estar repleto de piadas quentinhas na ponta da lingua.
Entao encontraram-se os quatro como de costume num boteco de esquina onde apenas quem gostava muito de pastel frito na hora e cerveja barata, frequentava o local.
Xaveirinho nao comia pastel e nao tomava cerveja. Xaveirinho ria de quem o fazia. Ria do gordo velho arrotando na mesa ao lado e tomando tapa na cabeca da mulher envergonhada. Ria de quem se lambuzava de Ketchup e pensava que ninguem estava a perceber. Ria de quem derrapava no chao e caia de bunda. Ria de quem jogava sinuca mal. Ria das moscas tomando a Fanta da molecada. Ria com maldade das meninas adolescentes escondidas atras de maquiagem barata. Ria do dono do bar que nao tinha paciencia com a freguesia gritante. Ria muito e ria demais.
Os amigos de Xaveirinho riam tambem para acompanhar. Mas nesse dia -e fora o primeiro dia-
chegara uma moca de vestido branco na altura dos joelhos, com um par de oculos de lentes grossas carregando nas maos tremulas um livro qualquer. E essa moca parou o bar. O relogio se desfez na parede, as pessoas silenciaram. As moscas abandonaram o lugar, todos pasmos a notar aquela criatura estatica na porta de entrada do bar.
Apenas Xaveirinho nao pausou como todo o resto. Continuou a gargalhada acida quicando um dos pes no chao de tanto rir. Quanto mais silencioso o boteco se tornava e quanto mais atentos todos se manifestavam, mais Xaveirinho aumentava o volume da risada. E riu, riu, riu por um tempo muito longo que perdeu a voz. Enquanto isso ninguem ainda se movia.
Quando notara que voz ja nao tinha, desfigurou o rosto, parecia que ia chorar. Assim a moca decidiu entrar no bar a pedir um pastel de carne, sim senhor! As pessoas sairam do transe e retornaram na sintonia anterior antes do acontecido.
Ninguem nunca soube o que aconteceu com Xaveirinho. Dizem por ai que foi maldicao da moca. Dizem por ai que ela trouxe o sossego para todos. Os vizinhos e mais velhos daquela pequena cidade agradeceram aos ceus quando o rapaz nao pode mais sacar piadas daquele bocao.
Xaveirinho perdeu os amigos que ja nao tinham mais quem proteger de confusoes. Andava sozinho e calado, o Xaveirinho que deveria ter ido pro palco.

Relacoes Funcionais II

Azul e branco eram as cores que ele vestia. Podia ser apenas um conjunto inteiro branco ou um inteiro azul. Podia tambem ser a mistura de uma peca azul com uma branca. Tenis branco ou azul. Sapato podia ser preto mas somente aquele especifico porque sapatos brancos ou azuis ou branco e azuis nao sao comumente manufaturados e nao aparentam muita sanidade do vestinte.
Rosa e verde eram as cores que ela vestia. Podia ser um vestido rosa com estampa verde. Podia ser um biquini verde com flores rosas. Podia ser uma sandalia rosa e verde e um lenco verde-rosa. Nao haviam excecoes para ela, que nunca escondeu suas cores escolhidas. Usava sapato rosa mesmo. Tinha um verde tambem e era isso. Nao se preocupava com comentarios. Sentia-se livre por ser somente bi-color.
Conheceram-se numa festa do amigo que so' vestia amarelo e preto. A festa foi organizada para o grupo que fazia parte do movimento "Suas Cores e Voce". O objetivo era se identificar com um par de cores e viver intensamente o que delas voce pudesse retirar. Como membro, as regras eram muito restritas. Nao era permitido vestir cores diferentes das escolhidas, mas podia-se conviver rodeado de cores diversas, como por exemplo dormir com roupa de cama de cor distinta das suas. Ter cortina em casa ou toalha de mesa, tapete e outros mais eram somente detalhes dos arredores.
Com as regras seguidas a risca, tornavam-se individuos coloridos. E assim foi a festa tambem. Um carnaval de cores a cegar todos com aquelas luzes de discoteca anos 80. Mas todos aparentavam estar no melhor dos humores dentro de suas cores. E ai foi quando a Rosa-verde conheceu o Azul-branco. Ele se aproximou para dizer que ela ficava muito bem em verde e rosa. E que atraves daquelas cores ele enxergava a pessoa colorida dela.
Ela rosou. Olhou pra baixo mas sorriu de volta. Perguntou se queria dancar aquela musica com ela afim de ver as cores mais de perto. Dancaram com as quatro cores se entrelacando num prisma ritmico de duas criaturas apaixonadas que nao se intimidam em dividir tons.
Depois de muito, Azul-branco tomou coragem e disse que queria fazer um arco iris depois da festa. Ela brincou que talvez um dia pudessem vir a ter um Branco-verdinho juntos.
E realmente tiveram.

terça-feira, janeiro 04, 2005

Relacoes Funcionais I

O casal que brigava por tudo ja nao queria se ver mais. No entanto, porque nenhum dos dois conseguia expressar que estava a deixar o parceiro, continuaram juntos por uma eternidade.
Essa eternidade durou 16 anos. Para eles que nao se amavam, era como dividir o teto com o inimigo para sempre. Viveram entao, eras de tortura e de angustia, ansiando para que o termino chegasse. Mas era somente uma briga soltar no ar, o orgulho de ambos tornava-se tao incisivo que emburravam os rostos e nao arriscavam ao menos se entreolhar. Nem mesmo para dizer o quanto se odeiam. Nem mesmo pra cuspir as entranhas carregadas daquela furia.
O odio superava a facilitacao de o outro ir embora livre, sem remorso, batendo asas rumo a felicidade plena. Quanto mais se apegavam na amargura de se maltratarem, maior era o negro prazer de nao ver o outro contente.
Nao tiveram filhos porque conviram que poderia ser um fato que mudasse a relacao e talvez voltassem a se amar como a principio. Ai seria a total ruina desse relacionamento construido sob ceus escuros.
Nao dormiam separados porque aliviaria e daria a privacidade suficiente para que relaxassem durante o sono e viessem a gozar da minima liberdade possivel.
Qualquer situacao que gerasse libertacao era sinonimo da perda do parceiro para a escape daquele ciclo. Entao tomavam cuidado com as palavras ditas para nao ornamentarem um elogio sem intencao.E nunca retiravam o que diziam. E por isso o cuidado exigia atencao para que nao causasse desentendimentose assim o odio poderia permanecer um himem intacto.
Certo dia e sempre um certo dia vem para diferenciar a vida de todo dia, estavam a caminhar perto de um parque lindo mas nao podiam comentar que era realmente esplendido. O Sol rasgava no meio dia, um casal se beijava em cena de filme cliche, duas criancas corriam com armas de jorrar agua. E ficaram estaticos ali, sem comentar o absurdo que era ver todos felizes naquele verao e quao miseraveis sao as pessoas que assim vivem.
Nenhum dos dois moveu os labios para tecer um simples comentario. Em pe' em frente `a paisagem colorida com sorrisos, o casal nao resmungou. Nao foi dito nada, mas largaram as maos e sem despedida ou malicia de olhares, resgataram suas individualidades e caminharam em sentidos opostos...