sábado, julho 28, 2007

Meu amigo sem nome

Eu tinha esse amigo gay na adolescência. Eu queria muito colocar o nome dele aqui, mas não posso. E também não quero inventar um porque não acho justo. Claro que ele não vai ler nada disso, você também nem deve estar prestando muita atenção, mas a verdade é que devemos fazer jus aos nomes das pessoas. E os gays, sabe, eles são muito exigentes com algumas coisas e implicam e é chato.
Comecei pra falar como ele me contou que era gay. Matávamos aula, e eu chafurdava a cara no bebedouro, quando ele arriscou baixo no meu ouvido "eu ssssou gaaay". Cuspi, babei-me inteira, ergui o pescoço com medo de erguer, me deu tontura, mas firmemente e enganando muito mal, respondi "eu já sabia mesmo!". Ora, essa coisa de todo mundo sabia. Todo mundo sabia e não sabia.
O pai dele, por exemplo. Pai de gay nunca existe. Este sim é alguém para quem deveria ser inventado um nome. Ou quando existe, está sentado na poltrona da sala, vestido da camisola da mãe, tomando chá de frutas vermelhas.
Ele decidiu na época espalhar pro mundo todo que era gay. Eu não concordava, mas sabia que era uma questão de tempo pra ele perceber a merda que estava fazendo. E foi notificar a descoberta pra sua mamãe, uma gorda branca professora de matemática de cabelo sem cor. A mulher chorava de parir, achou revista de homem pelado embaixo da cama do moleque, uma loucura! E fez o interrogatório completinho. O coitado, o coitado era virgem. Não tinha ainda nem beijado espelho pra praticar. Mas, no entanto, é preciso muito pouco para sermos sujos diante dos outros.
Eu nunca presenciei a cena, mas ele me disse que a mãe ajoelhou-se na sua frente e perguntava se aquilo era castigo, se ele não a amava e então por isso. Colocou-o em terapia vagabunda, rezou em todas as religiões, fez com que escondesse de si mesmo o que era. Trivial.
E depois nunca mais nos vimos. E eu queria ter ensaiado mais e ter ido até a casa da mãe dele, ter-lhe dado uns tapas na cara e reclamado desse desfecho absurdo. Porque eu sempre achei que ainda era melhor ter pais ausentes simplesmente porque eles não suportam te ver do que tê-los ao seu lado te fazendo pagar.

quarta-feira, julho 25, 2007

Assim
Assado
Clichê mal-passado

sábado, julho 21, 2007

O último fósforo
A última árvore
O último gole
Sem piedade

quarta-feira, julho 18, 2007

Enquanto dormem

Quisera eu ter tido pais adequados. E a sua mãe, não vem? Vem. Cantávamos todos, Antiqueira e eu. E Londres, continua? Continua. Viagem para o final do ano. Então vamos nós, aqueles que estivemos lá. Vamos. Mas ela morre de ciúmes. Que vá também. E o dinheiro? O dinheiro já nos faz lá. Aniversário agora em agosto, não é possível decepcionar. Não o faremos. Tá bêbada? Não, dancei apenas uma música. Vamos embora, assim ninguém percebe. Ninguém me notou, faz diferença?? Não, você disfarça, eu a arrasto. Toca aqui todas as quartas ou às sextas? Questão de disponibilidade. E a sua filha me deve. Ou eu lhe devo, total responsabilidade.
Ela fala com muita gente. E combina com muita gente. Nunca funciona, tá sempre pairando. Tá sempre contando o que vai fazer e depois nunca faz. Ah, é assim? É assim, ó.
Beijei um troço, não queria. Ele veio pra mim e disse: prima!! Me senti avechada. Avechada é nome pra interior. Pra quem não sabe o que fazer no depois.
Arrasta qualquer tom pra arrastar o seu embora, somos de família musical, isso não importa.Tá. Peguei alguns telefones, pequei um pouco à beça. À beça? Fantasiei. Nada aconteceu, se não fosse o você e eu. E clamavam altamente, clamavam: isso ainda vai dar em casamento. Não!! Eu vou rir, é ainda o melhor remédio. Já viu aquele filme? As pessoas sofrem, se desarrajam, se despedaçam e se retornam. Num vi. Pois é. É você vivinha. Num sou. É. Tiram um pedaço da cara dela, mas todos a reconhecem. Porque é muito simples, ela tá estampada. Tá com essa cara de queria ser amada. Eu num faço assim. Faz, sim. E diz depois que não queria, que era coisa da sua tia, que emagrecia.
E agora que todos morrem, vou te dizer o que é mais disforme. Num rima nem é de prosa, mas as meninas da noite sabem: só escreve de verdade aqueles que o fazem enquanto os outros dormem.

terça-feira, julho 17, 2007

Do ócio de quem escreve sobre o ócio

Vai sem Schubert então. Vai com chuva. Desce as escadas e as pessoas estão molhadas, o cachorro encharcado. Então quer se jogar como todos. Os carros, os pingos nos carros. Os papéis de acompanhantes e não acompanhar ninguém. E declarar o impossível em tão possível dia. E depois repetir que nunca foi assim, porque é sempre a primeira vez. E lutar contra o que não tem. E apagar o que não se fez. E resmungar estive lá, quando nunca. Depois dizem que a gente, a nossa gente, sofre mais.

domingo, julho 15, 2007

Calorias Vazias

Ter o pensamento leve de não jantar
Acordar sem mania de ter que suspeitar
Gigante é o buraco com pele de respirar
Com carolinas sem calorias
E respirar, e suportar

quarta-feira, julho 11, 2007

Gerundiando

Tenho que ser mais de acordo, dialogar sinapses mais lógicas, deixar esse vermelho pra trás. Deveria ser posta num desses cubos de escritório para aprender. Disseram-me que não pode pregar fotos nas paredes de plástico cimento. Porque suja e as pessoas comentam. É preciso ser direito, agir de acordo, agir de acordo. Anota.
Eu gostava muito mais da época em que era bonito ser ignorante. Olha que lindinho, ela não sabe falar pudico. Repete, vai. Não é púdico. Pu-di-co. Ó. Observa a minha boca.
Agora, senta aqui. Vamos conversar. Como é que você passou essa semana? Limite. Repete, vai. Não, não repito. Não faço, não tenho, não o sei.
O meu quarto. O meu quarto, eu vou te contar. Tem pimenta malagueta nele. Tem uma bola de cores amarelas. Eu a deixo no sol pra ver se estoura. E não estoura! Acho que tudo isso aqui ao meu redor não passa da minha cabeça. Três copos vazios de água, alguns extratos bancários no chão e muitas, muitas páginas abertas a terminar. Mas num dá, sabe? A gente cansa. Eu. Eu e você. Nós dois que moramos comigo. Sim, a gente. Isso.
E tenho aquelas horas longas que me deixam mais confusa. É quando eu imagino o outro mundo, aquele onde moram todas as pessoas que riem de mim. Mas eu tô mudando. Tô querendo. Tô anotando.

sexta-feira, julho 06, 2007

A minha vida seria

Garoou sobre mim e por isso tentei algumas palavras. Repetia: não, tudo bem, já passou, já passou. Disse que podia me contar. 1995. Depois o procurei novamente em 2004. Pediu para que eu fosse embora e eu queria apenas vê-lo mais uma vez em vida.
E o que se faz com alguém de olhos verdes de lágrima, solfejando sem parar? Todos nós três ouvíamos. A gritar, a gritar.

segunda-feira, julho 02, 2007

Onde eu existo

As festas acontecem apenas em outubro mas eu nunca soube o por quê. No meu país só temos festas neste mês. Dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, que temos que continuar a tradição, porque muitas outras já foram perdidas. E prosseguimos todos, sem muito questionar. Aliás, as pessoas são assim, né?
Ninguém comemora aniversário, aliás ninguém sabe o que é isto, somente eu. Porque eu viajei, visitei lugares e pessoas, me envolvi até demais, evitando envolver-me. Aqui também não há religião, não há opção sexual, família constituída ou casamento. Aqui, dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, aqui é o futuro. Eu não sei, não me senti atrasado quando vi outras coisas. Mas acho que faz sentido, toda essa falta de instituição. Não tem louco, nem normal. Não tem casa ou prédio, é tudo habitacional. Aqui as pessoas não têm idioma, aqui cada um fala o que quer, compreende como quiser. Aqui é tudo muito simples, mas as pessoas nem sabem o que é simplicidade. Aqui, dizem os mais velhos, mas não tão velhos assim, as pessoas não têm livros, têm idéias. Não há sistema monetário, nem leis de safado. Aqui não tem mentira nem tem verdade. Aqui, este aqui que eu nem sei se existe, aqui é onde eu me entendo, na minha plena liberdade.