quinta-feira, março 27, 2008

Meu apartamento branco

Digo sim, sim, sim. Vem pra mim, estou carente e não sei mais se perambulo por aí reclamando da ausência ou agradecendo cozinhar pelada, sem vizinho nenhum ver, dar pulos na cama, tirar os fiapos que se enfiam no edredon. O meu quarto é todo branco, o apartamento todo branco, todo control freak. Acho lindo, o branco é a intersecção de tudo, do meu sangue que ainda não vazou nele, pois eu tomo muito cuidado. Sou assim, sem pausas e respiros que sempre me dizem serem necessários para contar histórias, sejam elas verdadeiras ou não. As minhas são normalmente metade do que acontece e a outra sou eu olhando o par de suculentas ali na janela de onde não desgruda um adesivo que até o meu pai tentou(!). E o adesivo e eu somos como um casal porque já vi que ele vai estar lá todos os dias quando eu retornar. Talvez ele seja o único que me veja nua e isso é o máximo da nossa intimidade, bem como um casamento branco pra uma casa branca. A minha persiana é clara e de todo o branco e a minha mãe branca argumenta: eu disse que você não iria conseguir dormir. Agora arranja um desses tapa-olhos que a gente pega escondido em vôo de segunda. Aí nem precisaria me preocupar com quem dorme ao meu lado. Mas eu nunca faço essas coisas porque eu costumo dormir com quem eu queria mesmo ver de manhã. Eu não erro nessas porque já que decidi morar sozinha, pelo menos eu devo dormir com quem escolhi. Estava cansada de ir pra casa dos outros. Agora eu olho, o meu edredon é caro, querido. É branco, põe você também um pijama branco, vamos nós, fazer as coisas dessa cor-sem-cor, sem fluídos coloridos, por favor. Eu quero é sossego. Isso. Agora aperta aquele botãozinho e desce. Acabou. Vou lavar com cândida. Voltar pro meu adesivo-marido. Passou.

terça-feira, março 11, 2008

Arranha-céus

Meu mundo por um par de cortinas de linho. Arranhar cortinas, ponto. Arranhar poltrona, dois pontos. Napoleão, com pompa ou sem, me aconcheguei muitas vezes num pinico dourado. Muitas queridas dos arredores me desejaram, vivi das batalhas com o inanimado, mas todas, sem falta, se impressionaram. Não fui de botas, nem tive fixação por lasanha. Sou representante maior da condição libertária. Em vida vivo a última, a número sete. Por isso, disserto sem muito arrego, sinto-me velho e oportuno para qualquer desprezo. Meus donos já acionaram a idéia de ter algum outro no meu lugar e o que me resta fazer agora é aceitar um último banho frio que sempre recusei, sorrir pra ele e ele olhar pra mim, me abraçar na toalha felpuda e arranhá-la. Três pontos. Fui feliz, digo que fui e me unirei em morte a tantos gatos pardos que as pessoas contaram apaixonadas sob luares cinzas verticais de onde habitei meus anos todos. Gato morto irradiado pela vida-morte que o tomou. Arranhar céus. Infinitos pontos.

segunda-feira, março 10, 2008

Sob as sombras dos flamboyants

Perder a mulher pro corretor de imóveis me fez filósofo das causas pequenas já que além dessa e todas as outras perdas adjacentes resolvi me jogar debaixo das sombras dos flamboyants. Não tem nada de poético, não. Eu fiz por causa do sol, não dá pra suportar o calor de Fortaleza que faz em São Paulo e eu precisava me esgotar de todas as forças, me fazer coitado, me redimir com Deus, já que insistem que ele existe. João Paulo, esse mesmo que não era papa nem nada, de dois nomes me ajudou a afundar. Não gosto de prédios com nomes de mulheres como Yara e Gisele. Não me mudo pra edifícios assim. E na minha família, todo mundo é de dois nomes. Muito ruim Marco Antônio e João Paulo. O segundo, meu irmão e nem pergunte quem o primeiro é. Pois bem, escolhi a vida de mártir sem saber que as minhas unhas dos pés cresceriam e amarelariam tanto, envergariam. Isso lá é uma bela metáfora da cretina miséria de ter sido ultrapassado por um careca. Ainda bem, os males não foram tantos. Eu sou infértil. Isso é bom hoje em dia. Todo mundo se enfia na sua vida sem ao menos se importar com o que você acha. Quando eu não queria faculdade, por que eu não queria. Quando fiz pra calar, o que eu faria depois. Quando não arranjei emprego, quando arranjaria. Quando passei a namorar, quando seria o casamento. Me casei, cadê os filhos. Os filhos, cadê o futuro deles. Mas eu pulei essa parte. Eu fui pra sombra, fui me refrescar, me livrar das etapas que não me pertencem, quem sabe até eu retiro esse segundo nome ridículo. Quem sabe até ressuscito a minha avó, ela sim me daria um canto pra morar, sem me julgar, ai que lindo é amor de vovó. E no alívio, eu nem precisaria mais pensar em matar a puta que me fez tudo isso.

sexta-feira, março 07, 2008

Sapato cleck e a esperança branca

Suor, muito suor. Tira a mão daí. Mas a gente já fez de tudo. Quase tudo, tem coisa que ainda não. Veja bem, seus olhos são lindos, gosto de mãos e de olhos e de homens. Fez cara de entende. Confessei que não sou fiel a nenhum, fez cara de tudo bem. Eu sei que as mães não gostam de filhas que são assim, muitas são, mas fingem conveniência com o mundo todo, guardam puritanamente a moral (eu sei lá o que é isso). Mas acredite, 99% da população não pensa. Não sabe o quanto é bom viver na felicidade solitária. Isso tem que passar. Mas não vai. Já disse que tive muitos namorados, mas a minha vida é magnetizada pelos casos. Eu sou meio homem mesmo, fujo tão bem dos problemas quanto eles. Bando de maricas. Adoro esses maricas, principalmente os feios de mãos lindas, as mãos lindas o que eu faço com elas dentro de mim, dentro da minha cabeça. Suor, suor. Uma maravilha. Minha mãe continua o sermão, isso vai mudar. Ainda vou te ouvir que um deles te segura. Eu digo tentei mas acontece que vivo nos extremos, me isolo do mundo, fico um pouco gorda, vou ao cinema e choro sozinha na poltrona. Sempre acho que tem um fulano se masturbando ao meu lado. Que gente freqüenta aquele buraco às três da tarde? O mundo está cheio de punheteiros. Aí eu me apaixono por um descabeladinho, já casei com vários deles, tive vários sobrenomes desde a adolescência, mas acontece que não os suportaria. Eu os sugo, grudo, agarro, a gente chega nos oitenta e eu digo, sinto muito, seus olhos são lindos mas gosto de mãos e de olhos e de homens. Gosto de ser mulher louca e os homens dizem que odeiam as loucas mas eles se enganam. Eles amam as loucas, nós loucas. Não tomo nada, não sou do rock, outro dia dispensei um cinco minutos depois de entrar no carro. Disse pra ele, meu filho, adoro falar meu filho, querido eu sou a pessoa mais careta que você conhece. Broxou, tadinho. Perguntei o que ele tinha usado porque seus olhos estavam caídos, respondeu que nada mas topava. Pois não ouviu o que acabei de te dizer? Olha, faça o retorno ali na frente. É facinho, meu filho. Isso, vira. Não faz essa cara e me deixa em casa. Eu sonhei com você várias vezes. Pois faça terapia, meu filho. Eu não sou de se sonhar. Algo tá errado, não se boicote.
Mas é assim, a minha mãe me conta da vida com sua esperança branca de toda mamãe digna de chorar a falta de netos, de reclamar do marido parado. Eu já aconselhei, arranje um amante. Não estou brincando, 99% da população não pensa. Faz favor de pensar.
Agora vou descer a Augusta. Estou com esse sapatinho argentino, um número maior do que o meu pé. Ele faz cleck. Eu adoro porque todo mundo me vê chegar e eu quero mesmo que vejam meu cabelo água de salsicha. Era assim que falavam mal por trás de mim na faculdade. Eu achava excelente. Não suporto a idéia de não ter uma pessoazinha só nesse mundaréu de gente que não possa pensar bem ou mal de mim. Poxa, tem uns que perdem até tempo pra mandar e-mails anônimos e me xingar. Fico feliz, fico sim. Cabelo água de salsicha. Uma honra. Deve ser guardado com cuidado, muito carinho.

quinta-feira, março 06, 2008

às vezes me dizem
vai casar e ter filhos
às vezes respondo
de amor me basta
a Paulista

Ode à Arrogância

Despejou a pimenta mais ardida sobre toda a superfície pra ver se o cachorro desistia de comer a casinha inteira. A verdade é, o quadrúpede adorou. Lá se foram os quarenta e cinco reais. E eu, comendo pão francês com queijo derretido na chapa gritante da padaria do nordestino, me lambuzava toda de ranho e choramingo. Tem molho de pimenta, não? Disse que era forte. Pois saiba que gosto desse jeito mesmo. O barrigudo ao lado se ria todo, tapando com a mão o buraco da falta de dentes.
Arrogante, sempre me chamam disso quando reluto em fazer da forma que os outros querem. Mas as pessoas são muito cheias de idéias pra mim e eu sou muito cheia de mim, não preciso das idéias dos outros, já sofro demais no oceano das minhas próprias. E eu sou boazinha também, leio Boff, aprendi a acreditar no amor ao próximo, mas não pratico muito, só de vez em quando. Quando me sinto culpada porque o mundo tá todo cheio de lixo, as pessoas na Paulista andam como cascas de banana jogadas. Tudo é bem igual, acabou-se o lindo processo da individuação. Quantas horas discursei sobre isso, acreditava que só eu podia pensar naquelas coisas lindas de a gente se encontrar e se amar e ser feliz e não precisar de ninguém. Ah, a arrogância. Minha mãe já me ensinou, através de sua dependência toda, que não dá pra ser tão auto-suficiente. Mas eu gosto de invocar que dá. E invoco e o sol é infernizante e reclamo cadê-meu-computador. Eu tenho síndrome de Show de Truman.