domingo, abril 22, 2007

O batom

A mancha que você deixou nos lençóis não vou limpar. Pretendo deixá-la ali, secando pra ter o que guardar. E você foi embora assim, batendo as portas, jogando tudo nosso fora. Pensou o quê? Que eu não fosse mais respirar? Que ficaria ali, apodrecendo junto à poça seca? Que evitaria contar pros nossos conhecidos que você me deixou a fim de te esperar voltar?
Pois eu digo que nada disso vai acontecer. Eu guardei a mancha junto a tudo que vivemos, numa das minhas tantas gavetas velhas. Assim ninguém me rouba. Porque de roubo, já cansei do que você me tirou. E também tem o gato, todo estabanado, que vive se entrelaçando pelas minhas pernas. Vou guardá-lo também. Assim quem sabe ele não mia mais seu nome.
Não estou chateada, não estou mesmo. Eu guardo tudo, não tem problema, não. Você era só mais um que faria isso. É inevitável, bem inevitável. Fumo um cigarrinho, lavo os cabelos e estou pronta. Desço até o café mais próximo. E tudo bem se tiver que descer cinco lances de escada. Agora tenho tempo, não tem quem me apresse pra me arrumar. Passar batom, nem pensar!
Lembro quando você me deu aquele batom horrível de marca barata com cheiro de morango. Eu nunca gostei, nunquinha. Fazia por você.
Mas teve. Teve aquela vez, sim, quando eu estava no banheiro, analisando minuciosamente todos os poros do meu rosto, toda atenta, compenetrada. Tinha certeza que estava sozinha. Mas você se aproximou silenciosamente . E segurou firme na minha cintura nua e molhada. Ajoelhou-se e a beijou fugaz . Ergueu-se, virando meu corpo de frente pro teu. E ainda em silêncio passou o batom nos meus lábios. Beijou-os, virou-se e foi dormir.
Hmmm.... esse batom... talvez eu fique com o batom.

2 comentários:

Anônimo disse...

ótimo

Anônimo disse...

Nati
O que vc está esperando prá lançar seu primeiro livro?
A gente fica querendo saber o que acontece depois... e depois... e antes... e mais tarde...

Malu