quinta-feira, abril 09, 2015

não-morte

O novo não existe para mim de tão cíclicos que meus dias são. Me levanto, como sempre a mesma coisa, o almoço o mesmo, as tardes iguais, as gotas do remédio amargo, observar o entardecer como torcida de futebol que se agarra ao pé de coelho estrangulando para o gol. Abaixa sol, vem lua, vamos nos deitar. Se puder não amanhecer novamente, será grande milagre. Sou fraca até para o suicídio. Dizem que esse nosso tipo de gente normalmente se sabota pegando doença dos outros. Não cheguei a tanta sorte. Vivo da lamentação e de médico em médico. Pílulas garganta abaixo não funcionaria. Eu poderia não morrer e ficar com alguma dose de retardamento mental, culpa e a família me olhando  sem fim. Pular das alturas também me lembra um caso de uma pessoa que não morreu, foi parar no hospital e ficou toda torta na cama. Existe, sim, a possibilidade da não-morte. Eu sou prova disso. E não a chamaria de sobrevivência, porque quem sobrevive gostaria de poder viver. Quem não-morre, gostaria de morrer.

sábado, outubro 12, 2013

de Shanghai

As coisas não estão muito bem quando não fazemos as coisas. Eu encontrei uma pessoa esses dias e outra também. Duas pessoas muito diferentes mas que queriam algo comigo que era o mesmo. Todo esse nó de desespero de cumprir função fez com que eu me pusesse escondida de tudo, para ver se saíam de perto como pernilongo no verão. Acho que não percebem. Ninguém me percebe.Eu finjo tão bem que finjo para mim mesma. Aí não sei se está acontecendo, se aconteceu ou se é tudo da minha cabeça.
Certa vez um senhor se aproximou na rua e, isso já faz anos, e me disse envesgando os olhos que tudo que aconteceria comigo dalí pra frente, seria bom. Achei que ele queria dinheiro e dei moeda.
Quando eu lembro que não é tudo que acontece bom, eu lembro dos olhos tortos dele e a cegueira chegando. Afinal, para quem não enxerga acho que tá tudo acontecendo bom pra mim.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Remorso

Contei o que não existia pra alguém que existia importante pra mim. Eu já deveria estar ciente de que o  que existe em mim não existe para os outros e só de ter realizado tal equívoco me trouxe de frente com o só-meu-mundo-me-entende e passar por descompensada lá fora já é rotina, tudo bem.
Para aumentar tal complicação me inscrevi nas aulas de filosofia que me dou elas mesmas. Funciona assim: quando não tem mais nada para beber na geladeira e pensar, me deito sobre a colcha azul com teto branco e descalça resmungo umas primeiras palavras. Me vem sempre "abacaxi". O meu bainstorm está programado para qualquer tópico trazer essa maldita amarela azeda. E depois disso, vou me libertando os dedos dos pés que sobem rapidamente para os das mãos e dali vem algumas poucas novas idéias. E idéias são de todos nós, todos nós com mundos diferentes intocáveis e cíclicos.
A gente termina um processo e logo em seguida descobre que vem a prova, o teste para ver se você repete de novo o mais do mesmo ou vai procurar inovar. De opções largas e não ganhas, normalmente procuramos o igual porque desse lugar não tem como fugir e ninguém vai querer fugir do mesmo, do tão confortável e bunda pai nosso de todo dia.
Como eu já sou velha o suficiente para saber que não sou lá tão genial quanto eu imaginava ser antigamente, também gosto de repetir figurinha. Vai lá, faz o arroz feijão e varia a mistura. De segunda ovo frito, sexta chega com frango empanado pra comemorar com cerveja. E final de semana é pra esquecer da sobrevivência e dar uns respaldos de pinga na alma, pra desaforar a fera que guardo nos cinco. O que acontece eventualmente são inconsequentes histórias longas e imaginadas que passo a contar pra fora. Como costureira que costura pra fora? Então, é isso mesmo. Só que nem sempre, desculpe a paródia irritante, o corte fica bom. E você se explica consigo mesmo, reza um pouco no banheiro pra ver se toda aquela gente dentro da sua cabeça esquece suas gafes e deixa passar, as pessoas te apontam e te dizem muito feia, muito feia. Assim que faço com a minha cachorra. E me disseram que ela não entende. Que só entende cutucão. Daqueles bem perto do pescoço. Ai, minha mãe! Deveria ter feito assim comigo novinha, quem sabe eu aprendia, quem sabe eu até era boazinha. Agora é boicotar todavida, fazer de tô-nem-aí, estando.

sábado, agosto 28, 2010

Arrô.

de manhã, ronco ronco ronco. ai vem o horário certo, a vizinha estridente na janela, claudiaaaaaa. e me ergo por metade, pra promover a cortina pro sol, pra socar ele na minha cara seca de água sem beber e o cachorro pula em mim e me diz que quer sair. saimos, obrigada irmão-fogo, eu te honro e te reverencio, meus antepassados, perdão pelo o que eu possa ter feito, mas já tenho condições de caminhar sozinha e me vem os vômitos estúpidos das pessoas que se oferecem pra comentar o que acreditam ser o homem ideal pra mim. tipo assim. e eu sem saber, sem reação e isso não é comum pros meus últimos tempos. me sinto infantilóide quando acompanho os outros de nem saber onde é que tenho os pés no chão. mas é uma outra história, dessas que são mais problemas das outras gentes. e tão pouco agora penso que gostaria de cuidar dos outros, que eu gosto mais é de cuidar do meu cão, que se enrola preto e branco em mim e não me dá uma cesta de legumes podres pra segurar. como seria bom se todos falássemos cães e sentíssemos os cheiros lá de baixo uns dos outros e pudéssemos nos poupar de tão ridículas apresentações. e eu que também sou cão-não-cão, gosto muito de respirar novidades pitorescas, as árvores e os cheiros de ruas, andamos todos os sete até o fim do dia e obrigada irmão-fogo. eu te honro e te reverencio. me deixe só, me deixe cão. Arrô.

terça-feira, agosto 24, 2010

a dúvida do afeto

A dúvida do afeto, pensei comigo, era a dúvida de não responder, que eu perguntaria às pedras e minha mãe se intrometeria que ela poderia me ajudar, contanto que eu ouvisse seus conselhos matrimoniais e dividisse o pós-parto desse novo movimento, pra ela tão progressivo e pra mim com mais dúvida e mais pergunta e mais medo de não me entender. a revista dizia que casamento ainda dá certo, eu não sabia que não dava antes disso, e a dúvida do afeto, onde mora ele quando todo mundo precisa de uma aliança em círculo pra fechar o outro e se perder no alheio e passar anos a se confundir e perder as entranhas e não se reconhecer. aí de domingo meu pai ri com as piadas dessas de humor, dessas de jornal, dessas de domingo sobre o casamento falido feitas para homens acima de sessenta casados e com medo da morte e com medo de não ter feito nada por ter passado muito tempo trabalhando e cooperando com impostos. e eu que venho da vagabundagem, dizem todos, esses todos fora de mim, que o que eu faço é coisa de bundagem e vaga junto. aí forma isso o que eu faço, tão confuso para os outros, pra mim mais ainda, mas confortável de um jeito que eu nao me vejo longe dessa verdade de imaginação que me tira o sono quando não consigo abraçar tudo. e volto na dúvida do afeto que é a mesma infinita da aliança em círculo fechado no outro e quem é o outro a não ser eu mesma, quem é o outro que não existe a não ser na minha cabeça?

quarta-feira, agosto 18, 2010

tomara

tudo o que tenho visto, não sei o que fazer pra tirar de mim. as calçadas e mulheres que ficam permanentes em um lugar e o carrinho de supermecado na frente de uma loja que atravesso a rua quando vejo porque ele esta cheio de garrafas velhas e vazias, todas de bebida de alcool, me lembra meu alcool, o ruim que fica perto e eu vomito e tiro de mim e trago de volta o que eu queria ter separado um tempo ja. ai volta a lembrança e volta meu livro que nao sai da minha cabeça, e volta com tudo isso o amor que me falta, que me faz estar só, que me faz bem estar com os cães, a matilha deles é mais organizada por cheiros e o meu, quando nao tomo banho nao posso sentir, entao preciso de tres dias pra me misturar nesse grupo de pelos e de orelhas desmedidas.
caminho pelo sol, pra praticar a visao que me dizem faltar, mas quem diz é um medico que nao estudou o que eu estudei da vida dos olhos dentro de mim que sao mais pra dentro do que pra fora, sao pra baixo dos meus braços e ficam nas pontas dos dedos. aperto os botoes e aparece na tela o que eu nao consigo falar em palavra e daqui uns dias terei que forçar pra que esse coração de olho suba braço acima e caia no lugar certo da boca e adentre minha garganta. fala tudo, a professora agradece, sou aceita nos olhares de fora, que tambem tem olhos nos dedos e os dedos juntos das maos, podem aplaudir. tomara.

quarta-feira, abril 07, 2010

Dois e duas

Estavam os dois sentados, entre duas pessoas que observavam a discussão sozinha da mulher em direção ao homem. Ele, com sua pequena filha no colo, mordia com força os dentes uns contra os outros, acompanhado de um movimento lateral do maxilar. Era sua maneira de representar tensão, não queria ouvir daquele jeito o que ela tinha para falar. Estava agora casado com outra mulher, pro bem ou pro mal havia feito um filho nessa também e não tinha mais o que conversar. Anos haviam se passado e eram apenas pais de uma mesma criatura. Ela insistia com suas palavras e ao vê-lo partir comentou com as duas que ali contracenavam que era bom que elas soubessem que tudo aquilo o que tinha dito não passava de uma grande mentira.

terça-feira, março 16, 2010

Sobre a Amizade, para a Denise

Ah, sim. E me disseram que os amigos estariam lá, que me veriam suspirar e desritmar, mas que no entanto me comprariam os lenços de ouro que em tantos filmes me vi chorar. Que saberiam que tropeços existem, que a gente nem sempre consegue fazer o que os mestres ensinam: se quer ver a pipa rodar, solta a linha no ar. Quem está pronto pra te ajudar?

sexta-feira, novembro 27, 2009

Dois quarteirões

De manhã gosto de café na padaria dois quarteirões acima de casa. O cigarro me mostra cedo e díário que deveria parar de fumar. A subida é leve, o pulmão pesa e a consciência eu nem sei mais o que é isso. Deixei para trás os dias em que eu tinha interesse por mim mesmo. Agora caminho.
Quando adentro o recinto, ela está acomodada em seu banco fixo, onde o sol bate com feixe diagonal no balcão dos bêbados. Minha rotina é sentar-me na mesa de trás de onde vejo os cabelos de banho recente pesados nas costas e o ajeitar do shorts azul no meio das coxas, que eu sei que se chegar perto vão ter pontos de pêlos por fazer. Eu quero teus pêlos nos meus pêlos. Eu quero a brevidade de abrir o sutiã, de eu não te existir  e te querer por somente o tempo dos dois quarteirões que me levam até você.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Me esforçava, mas abri os olhos por não dormir, mirei o relógio que brilhava vermelho e me senti fracassada. Eu queria me rasgar de amor e o sono me observava de longe e eu não tinha ninguém para amar. Eu me amava sozinha  em dias de ensaio pra um espetáculo que não ia existir. Queria sentir o seco que fica na garganta quando acaba a água da conversa e os dois se olham, vira cena de filme demodé.
Eu sou antiga apesar de nova, sou atrasada pro contemporâneos casais que se apaixonam por precauções realistas. Eles dividem os mesmos gostos, ganham o mesmo salário, tratam-se como funcionários e agendam local e hora para o amor.