quinta-feira, outubro 18, 2007

O fino verso da gorda

O meu choro é cascata de uvas
Mas num tem gosto de vinagre
Apesar de arder
É que eu tenho a comida
E a comida me tem
Porque eu não tenho você

quarta-feira, outubro 10, 2007

Aperto Gradativo

Ele sabia muito bem como encrustrar lentamente qualquer faca em mim. Lentamente, eu disse. Implorei minhas forças para que não, porém, sequer me deu ouvidos e foi logo intrometendo a ponta aguda por entre os meus seios. A superficialidade do corte não disponibilizava entender o início de tudo. Mas estava habituado a culpar nossas brigas. Eram elas o réu dos nossos problemas. Ele, a vítima. Eu, a insensata, a que abraçava causas vazias, a que as fazia aquecidas. Eu, que somente quis atenção. E o corte aprofundou-se quando já não estávamos mais tão próximos. Era como contar história alheia sem saber ao certo como expressar a situação. Tentar adivinhar sentimento e lidar com os sumiços esporádicos que ele ocasionava.
Foi quando resolvi que não nos entendíamos. Eu, reclamando ausência, ele reclamando trabalho. Eu, falando alvoroço e ele, falando traição. O desenfreado impedia o motor dar sua partida. E todas as condições tardavam em contribuir para encrustrar mais fundo agora a tenra faca. Pois assumi, enfim, auxiliar o suicídio-homicídio. Fiz com que o prazer fosse nosso. Como já não dividíamos respiro, que dividíssemos ao menos o gozo da minha ida. Que fizéssemos uma última vez a promessa dos que nunca se vão. Porque eu nunca soube ao certo como seria. Porque eu nunca soube como as coisas seriam se não tivesse optado por realizá-las.
19/abril/2005

terça-feira, outubro 02, 2007

A lata, minha metafísica

De um tamanho desproporcional, dizia o cabeçalho. Eu não acho, no entanto, que tudo tenha tomado este rumo. Tive que ler a carta com um copo de água do lado porque a garganta amargava. Talvez as especulações sejam ditas certas, que eu não enxergue o que deva ser retocado. Na horizontal, não podia. Não podia meio-dia, não podia lajota, reverenciar o sovaco, circundar o inanimado.
E eu queria monologar a minha lata, sobre a tristeza de tê-la aqui comigo. Me jogar no sofá, espreguiçar. E contar, quero contar. Olha, eu procuro profundo. Assim, de tocar os dedos no fundo desta lata. Aí vem o cheiro de eucalipto e é como a história que não acabei de narrar. Eu não tenho nada de eucalipto, nada de desproporcional. Então devo passar a lata pra frente. Devo passar também quem me diz essas barbaridades. Então reembrulho a carta e a devolvo na caixa de correio, ando de passos contrários, rebobino meu dia.
E fim, e nem queria. Nem vou descrever mais como foi tudo isso. Volto pra cama, o cobertor em meia-volta. Estou de meias esgarceadas, quase se desnudando dos meus calcanhares. Eles ficam secos. Aí lambo os dedos e passo neles. E cheira cuspe, cheira meu cheiro. Não gosto do meu cheiro, então vou comprar um hidratante. Desses que desodorizam a vida. Tiram tudo, é bem livrar-se de uma infecção. Essas coisas da modernidade, que todo mundo limpa com algodão, são mesmo uma maravilha. Não tem que entrar em quase nada, descarta tudo, faz digestão. Aí as palavras vêm pra gente, não fazem o menor significado. Tá tudo procurado em dicionário, e eu com vergonha de mandar um beijo. Mandar um beijo é mesmo muito brega. É como acenar e não receber de volta. E quando viu, mandou pra pessoa equivocada, que olha pra trás pra ver se era pra outrem.
Outrem. Ninguém deveria usar esse termo. É feio. É tão feio como dizer te mando um beijo. E o beijo não volta, eu olho pra minha cama e as meias se foram. Não vou procurá-las. O meu corpo recebe as funções ativas de sempre mas eu decido que é aqui mesmo. Não quero me obedecer hoje. A lata me frustrou, estou no mijo desse cobertor e não tem ninguém pra pagar a conta que chegou. E vou, vou. Vou inventar sobre o que não mais sou.