quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Amados Acabados

Estouram os lados
Dos dias nublados
De pingos rasgados
De olhares marcados
Por dedos dourados
E fios melados

Os beijos selados
Por lábios lacrados
Os lençóis carimbados
Respiros cravados
De Amores amados
Amados acabados

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Práquê

Estava muito quente. Ele beijava meu queixo. Tocava a minha curva e beijava meu lábio de cima e beijava meu lábio de baixo. Como ter levado multa gravíssima, ter sido pega roubando no armazém da esquina. Como se alguém tivesse, acima de tudo, descoberto as minhas mentiras. E eu, que tenho pêlos no coração, fingia dormir na cama dele, que me puxava cada vez pra mais perto. Eu pensava me-larga. Uma pena, porque eu já estava gostando, de fato. Me pediu o telefone. Insinuei: prá quê? Me deixou em casa. Olhei: prá quê? Resmunguei tchau e alguns práquês.
Outro dia nos cruzamos. Ele beijava uma menina no queixo.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Carlos, o controle

Eu sinto que não posso conter. Conter o quê? O controle. Ele vai me escorregando. Mas é assim mesmo. Não, eu achei que não fosse. Eu gosto do útil. Em inglês é tão bonito: u-se-ful device! A praticidade me climatiza, eu respiro e sei que os objetos estão ali. Meu ventilador funciona bem. E quando eu preciso do telefone pra uma entrega, dos talheres na primeira gaveta. Mas aí penso no intangível, nos musgos de não tocar as coisas do sentir. É como um portal de caos e cosmos que eu não posso vigiar. O controle tão fora do meu dentro de mim e eu tão procurando tocar no rosto dele. Mas ele não tem rosto. Exato, e eu queria que tivesse. Ia chamá-lo Carlos. Credo. Credo nada. É nome comum, os dois começam com cê. E o meu controle Carlos eu ia levar pro trabalho e pra cama. Pra cama pra quê? Porque não gosto quando me tocam onde não gosto e isso sempre acontece comigo. O Carlos me resolveria. E no trabalho? É só porque trabalho é chato, que é com cê e controle e cama e Carlos também. Combinam, que é com cê também.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

O meu (não) gostar

Dizem que é preciso gostar de alguém. Mas eu não gosto de ninguém. Deixo isso pros outros, pros que acreditam. Todo logo cedo meu filho me puxa a blusa pra brincar. Eu não gosto dele. Não gosto da mãe dele. Eu sou nocivo. Eu vivo uma vida boa e não gosto dela. Não gosto da cor de manjar das cortinas da sala. Eu nunca saberia que existe cor de manjar. Isso é coisa dessa mulher com quem eu me casei e desgosto. O jeito como ela anda. A bunda dá soquinhos quando se locomove. Ela me pergunta se quero um café. Eu quero que você suma. No dia do nosso casamento eu já queria te deixar.
Mas eu sou ingrato. Eu vivo uma vida boa e não gosto dela. Ninguém sabe disso. Já fomos três vezes votados no condomínio como exemplo de família. Três anos consecutivos para quê? Eles não sabem que não gosto do porteiro, que eu comeria a vizinha inteira porque também não gosto dela. O meu cachorro, eu olho pra ele o domingo todo. A mulher me pergunta no que estou pensando. Eu sempre estou pensando o mesmo: eu não gosto de vocês. Mas não me movo de imediato. Miro a vista no jornal que deixo por perto e em seguida digo que estou pensando no nosso país. Isso. Ela sai. Ela é boa de desgostar. Ela não questiona. Eu gosto disso. De não gostar de quem me deixa não gostar. Por isso estamos aqui nesta mesma casa. Ela gostando de mim que não gosto dela. O meu filho também vai me desgostar e por isso eu já o desgosto. Eu gosto disso. De não gostar de quem também não vai me gostar. E o porteiro e a vizinha e o cachorro. Eles são mais fáceis ainda. Porque nunca vão saber. E eu gosto disso. De desgostar dos que nunca vão saber que nunca os gostei.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O Telefonema

Olha só. Eu não costumo atender telefonemas. E não importa a hora. Mas ele me pegou num momento de desprevenção. Disse que seriam perguntas rápidas. Conheço essa gentinha. Nunca é rápido e nunca se deve concordar em atendê-las.
A enquete iniciou-se com muita boa vontade: sim, estou satisfeito com o atendimento ao cliente. Claro, claro. Nota de 1 a 5? Dou o máximo! Eu até acho que o serviço poderia melhorar eventualmente, mas no entanto para quê? Eu não vou procurar outro lugar, não. Dou cinco! Se eu uso a internet? Uso, sim. Estou online agora mesmo. He-he.
Quando passou da pergunta número 35, eu ria: moço, eu tenho compromisso às quatro! Mas se você quiser eu posso te ligar em um horário mais conveniente. Não, não. Rs. Vamos terminar logo. Manda!
O tempo se passava e as perguntas se fechavam na minha cabeça como quando a gente é criança e gira gira gira até cair sentado no chão. Sim. Não. Sim. Não. Pergunta de novo? Não... Hm. Não.
Tá terminando? Sei. Não. Não. Qual palavra eu definiria a empresa? Hm. Só dessas três opções? Moderna, então. Pode ser. Tanto faz. Eu não uso esse serviço. Aliás eu nem sei por que ele existe. Acho isso tudo uma grande... sei lá. Vai, fala. Você já fez essa pergunta. Você tá testando a minha paciência, tá? Você diz que está no final desde que começamos. É esse o meu nome, sim. Eu já havia dito. A minha idade? Pra quê? Claro que eu trabalho, seu idiota! Tá me chamando de vagabundo? E daí que eu moro com os meus pais? Não tem que confirmar nada, não. Chega com isso. Já me torrou todo. Se eu te ligasse pra fazer essas perguntas na certa você tinha desligado na minha cara. Aliás, você deveria estar pulando de felicidade porque eu devo ser o único trouxa dos últimos tempos que te atendeu, sabia? Você com essa voz de bixa falida. Ah, que obrigado-pela-preferência, o quê. Some.

domingo, fevereiro 10, 2008

Não vai haver tristeza quando eu disser. Vêm arco-íris e algumas nuvens em pó dentro de saquinhos vendidos nas bancas de jornal. Aí pessoas quaisquer suprirão estoques de felicidade em meio a tempestades devastadoras de relações.