segunda-feira, abril 14, 2008

Freak Show

As tesouras se arrastavam pelas minhas paredes, mas não acordei com um grito meu. É este vizinho maldito, os chãos que são de taco e as portas que ele bate noite afora. Sonhava tão bem, andava de bicicleta ergométrica e a platéia me elogiava solenemente. Olha que percurso! Vai longe essa menina! Quanta seda, quanta pompa! Palmas, mais palmas! E esse vizinho, o maldito. Me acorda nos segundos entre o corte das lâminas e o majestoso. Não sei o que se passa com os homens de pescoços peludos. Aliás, temo que não seja apenas na região tão superior do seu pequeno corpo. Ele deve ter pêlo nos dedos dos pés. Desses fios longos, tão longos, que cobrem as unhas. E ele não respira direito porque sem unhas, somos uns bons soluços de gente. Talvez seja um ser solfejante, assistente de maestro de orquestra sinfônica. Um anão que conserta órgãos de igrejas. Ele não é certo. Aparece sempre de madrugada e diz que viu a minha luz acesa. Ora, eu moro no escuro. Não cansado, vem checar aos meio-dias. Sonda a minha casa e por muito pouco não escorrega por debaixo da porta e pega a minha correspondência. Não há, não há liberdade em apartamentos. Os gatos caem das janelas, as pessoas são jogadas andares abaixo e viram notícia de telejornal diário. Os anônimos, pobres de nós, ficamos com os vizinhos bizarros. Ó.
Outro dia, não tão outro assim, subia o elevador acompanhada de um careca que carregava uma boa bandeja de alumínio coberta de macarrão sem molho. Desceu dois andares abaixo do meu. Deve ter uma namorada gorda de unhas vermelhas e longas, que enfia a cara no spaghetti e mergulha o careca nos peitos imersos em molho de tomate. Goza, sorridente, com uivos de serpente sendo enforcada.
O zelador, ainda bem, possivelmente nunca lerá o meu pesar. Pois está tão entretido com seu enorme balde de maionese que enche de água suja e sabão em pó. Desce os andares esfregando os degraus, chega no térreo e sorri como quem soubesse para que nasceu.
Não contente com apenas um edifício de freak show, passo minutos olhando as paredes sujas da rua, que devem abrigar mais uns bons pares de homens-elefantes.

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