terça-feira, fevereiro 19, 2008

O meu (não) gostar

Dizem que é preciso gostar de alguém. Mas eu não gosto de ninguém. Deixo isso pros outros, pros que acreditam. Todo logo cedo meu filho me puxa a blusa pra brincar. Eu não gosto dele. Não gosto da mãe dele. Eu sou nocivo. Eu vivo uma vida boa e não gosto dela. Não gosto da cor de manjar das cortinas da sala. Eu nunca saberia que existe cor de manjar. Isso é coisa dessa mulher com quem eu me casei e desgosto. O jeito como ela anda. A bunda dá soquinhos quando se locomove. Ela me pergunta se quero um café. Eu quero que você suma. No dia do nosso casamento eu já queria te deixar.
Mas eu sou ingrato. Eu vivo uma vida boa e não gosto dela. Ninguém sabe disso. Já fomos três vezes votados no condomínio como exemplo de família. Três anos consecutivos para quê? Eles não sabem que não gosto do porteiro, que eu comeria a vizinha inteira porque também não gosto dela. O meu cachorro, eu olho pra ele o domingo todo. A mulher me pergunta no que estou pensando. Eu sempre estou pensando o mesmo: eu não gosto de vocês. Mas não me movo de imediato. Miro a vista no jornal que deixo por perto e em seguida digo que estou pensando no nosso país. Isso. Ela sai. Ela é boa de desgostar. Ela não questiona. Eu gosto disso. De não gostar de quem me deixa não gostar. Por isso estamos aqui nesta mesma casa. Ela gostando de mim que não gosto dela. O meu filho também vai me desgostar e por isso eu já o desgosto. Eu gosto disso. De não gostar de quem também não vai me gostar. E o porteiro e a vizinha e o cachorro. Eles são mais fáceis ainda. Porque nunca vão saber. E eu gosto disso. De desgostar dos que nunca vão saber que nunca os gostei.

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