segunda-feira, agosto 11, 2008

Entre a crise e o Artista

Eu me lembro de quando as formas se tomavam quase que autonomamente, sem a minha breve consciência e eu apenas assinava perto do rodapé. Naquele tempo eu ainda não havia decidido assinatura qualquer e rabiscava por horas alguns traços arredondados, que supostamente me dariam um futuro status como artista. Era, então, preciso ter nome forte, nem que fosse necessário nascer novamente, recriar minha identidade. Afinal de contas, quantas célebres pessoas são designadas pelo real nome quando expõem sua arte?

Foi quando me levantei e não fui famoso. O lucro não sairia de histórias de cinema bem-sucedidas, os livros tão queridos e capas imaginadas, os sonhos anotados e a cabeça desconcertada... Nada viria. Nem as noites de porre e isolamento pleno, nem os diagnósticos mal feitos e amores mal lavados ou qualquer ponta de desequilíbrio me levariam a ser conhecido.

A cabeça travou por alguns segundos, olhei para os lençóis que nunca troco da cama, abri a enorme janela suja e lá embaixo o sempre poste de luz. Os prédios não passavam de imundícies, o ar paulistano era somente poluído, os antes desgraçados vendedores de alma tornaram-se apenas pessoas preocupadas com dinheiro e beber a água velha da geladeira não era mais sinestésico e a cozinha de chão de barro não me lembrava infância alguma. Eu queria sumir de mim, eu queria ser aquilo de antes e tive dúvidas se realmente tinha sido artista um dia.

Resolvi me levantar aos poucos para diminuir a tontura. Os pés descalços no chão de tacos. Tropecei em dois soltos que quase me voaram o pijama. Isso me fez acordar abruptamente: estava acontecendo? Um banho veio em mente que talvez trouxesse minha poesia de volta. Agora era o momento de o chuveiro levar o pesadelo pro ralo. Esfrega, esfrega e o sabonete só espanta o nojo momentaneamente. Corri pra fora do banheiro e encharquei o corredor inteiro. Vesti o primeiro casaco do monte, me sequei em um par de calças velhas, as vesti, destranquei a porta e desci andares de escada. Apalpei os bolsos no descer. Térreo e encontro o vizinho. Tem um fósforo? Tinha.

Tossi alguns velhos escarros. Eles me recordavam a poesia. Mas ainda não era ela. Quem sabe abrir a porta de entrada e esbarrar em algum desconhecido, subir e escrever sobre isso?

Esbarrei de propósito e logo considerei bater o barbudo na cara. Homem estúpido, dia ensolarado sem nada, pessoas porcas mijam nas ruas e eu vou me deitar agora. Aqui, nessa calçada de saco-de-lixo pra um homem como eu, homem-lixo, homem-mijo, homem sem nenhuma razão. Terminei o cigarro, joguei-o na poça encardida que me refletia. Um cão se aproximou e lambeu a melação. Não me passou nada. Respirei três vezes e ergui a cabeça pro céu. O sol me fez espirrar e decidi: hoje eu vou dormir. O dia não veio pra mim.

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