segunda-feira, agosto 18, 2008

O homem nulo

Me cutucou o ombro e apesar de odiar ser cutucada, me disse logo de imediato que era importante e resolvi me espichar pro papel. Dizia "Clínica dos Olhos" e embaixo algumas informações sobre ele, o paciente que me cutucava e indagava qual era o endereço escrito ali. E apontava no lugar certo, porque apesar de não saber ler, sabia que perto de uns números viria algo parecido com rua tal. Eu lhe disse Rua Aurora, mas avisei que não sabia onde ficava. Me arrastou uma expressão canino-decepcionada. Ora, eu sabia ler, mas ainda não era o google maps. Mostrou-se ainda mais ansioso, alisava a camisa boa e branca, a escolhida pra consulta dos olhos e observava com cabeça de ventilador as avenidas, todas elas com letras escritas compridas, placas grandes e nada compreendidas. E pra que precisava de olhos bons se não podia ler? Pediu-me licença e espremeu em mim sua sacola plástica. Foi até o cobrador e este lhe direcionou: é no próximo. Desce e vai pra esquerda. Obedeceu inquestionavelmente. Não sei se foi pra esquerda. Não sei nem se ele foi mesmo ver os olhos, se o papel era pra ele, se era ele o paciente, se queria enxergar algo além de ruas sem nomes. Ele era, pra mim, o estrangeiro eterno, o homem que nasceu e morreu em país alheio, que não falava a língua do meu mundo. Ele era o homem nulo.

2 comentários:

Unknown disse...

"e observava com cabeça de ventilador as avenidas..."
adorei!!!!!

Unknown disse...

"...e observava com cabeça de ventilador as avenidas.."
adooorei Nati!
Mari Vilhena