quarta-feira, janeiro 05, 2005

Relacoes Funcionais III

Olha que fazer piada de tudo, em cima de qualquer coisa, nao era segredo nenhum para ele. Conhecido como o famoso piadista da turma, Xaveirinho nunca pensou em ser comediante. Queria mesmo era rir na cara de todos e sem limite de gozacao. Quem nao aguentasse, nao era problema dele. Ja fez muitas meninas chorarem e perdeu algumas namoradas com tapa na cara de finalizacao. E ria logo em seguida, porque nao tinha sensibilidade o suficiente para evitar um sorriso malicioso.
Os amigos, como eles mesmo se consideravam, eram os guarda-costas de suas risadinhas. Quando a coisa ficava preta, dois deles que eram simplesmente duas barras de puros musculos, tomavam conta de limpar a barra do Xaveirinho, que de tamanho nao tem nada. Dai eu acredito que o Xaveirinho pelo menos sabia escolher as amizades...
Um outro amigo era aquele que fazia o papel de consciencia da turma. Horacio Honesto, nem sempre ria do palhaco e nem sempre deixava que rissem de senhoras velhinhas atravessando avenidas largas.
Mas Xaveirinho pouco se importava. Arrumava encrenca pra rir da mesma. Quando resolvia sair de casa para encontrar os amigos no bar, fazia questao de estar repleto de piadas quentinhas na ponta da lingua.
Entao encontraram-se os quatro como de costume num boteco de esquina onde apenas quem gostava muito de pastel frito na hora e cerveja barata, frequentava o local.
Xaveirinho nao comia pastel e nao tomava cerveja. Xaveirinho ria de quem o fazia. Ria do gordo velho arrotando na mesa ao lado e tomando tapa na cabeca da mulher envergonhada. Ria de quem se lambuzava de Ketchup e pensava que ninguem estava a perceber. Ria de quem derrapava no chao e caia de bunda. Ria de quem jogava sinuca mal. Ria das moscas tomando a Fanta da molecada. Ria com maldade das meninas adolescentes escondidas atras de maquiagem barata. Ria do dono do bar que nao tinha paciencia com a freguesia gritante. Ria muito e ria demais.
Os amigos de Xaveirinho riam tambem para acompanhar. Mas nesse dia -e fora o primeiro dia-
chegara uma moca de vestido branco na altura dos joelhos, com um par de oculos de lentes grossas carregando nas maos tremulas um livro qualquer. E essa moca parou o bar. O relogio se desfez na parede, as pessoas silenciaram. As moscas abandonaram o lugar, todos pasmos a notar aquela criatura estatica na porta de entrada do bar.
Apenas Xaveirinho nao pausou como todo o resto. Continuou a gargalhada acida quicando um dos pes no chao de tanto rir. Quanto mais silencioso o boteco se tornava e quanto mais atentos todos se manifestavam, mais Xaveirinho aumentava o volume da risada. E riu, riu, riu por um tempo muito longo que perdeu a voz. Enquanto isso ninguem ainda se movia.
Quando notara que voz ja nao tinha, desfigurou o rosto, parecia que ia chorar. Assim a moca decidiu entrar no bar a pedir um pastel de carne, sim senhor! As pessoas sairam do transe e retornaram na sintonia anterior antes do acontecido.
Ninguem nunca soube o que aconteceu com Xaveirinho. Dizem por ai que foi maldicao da moca. Dizem por ai que ela trouxe o sossego para todos. Os vizinhos e mais velhos daquela pequena cidade agradeceram aos ceus quando o rapaz nao pode mais sacar piadas daquele bocao.
Xaveirinho perdeu os amigos que ja nao tinham mais quem proteger de confusoes. Andava sozinho e calado, o Xaveirinho que deveria ter ido pro palco.

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